Antônio de Dymsk

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O Venerável Antônio, Hegúmeno de Dym' em Tikhvin (séc. XIII) foi um asceta russo, filho espiritual de São Barlaão de Khutyn e fundador do Mosteiro de Santo Antão no lago Dymskoe. Sua memória é celebrada pela Igreja nos dias 24 de junho, dia de seu repouso, e 17 de janeiro, na sináxis de Santo Antão, seu padroeiro.

Vida

Em 1147, o envolvimento do Patriarca Cosme II de Constantinopla (1146–1147) com a seita dos bogomilos — os quais não somente afirmavam que Cristo e o Espírito Santo eram meras manifestações do Pai, mas que o próprio Satanás era filho de Deus e criador do gênero humano — resultou na convocação de um sínodo em fevereiro que depôs o patriarca. Além da vacância do trono patriarcal, a província eclesiástica da Rússia também estava sem um hierarca desde o repouso do Metropolita Miguel II de Kiev (1130–1145). Aproveitando a situação, em julho, o Grão-Príncipe Iziaslau II de Kiev (1146–1154) proclamou Clemente, um monge de sua corte, como Metropolita de Kiev. Isso causou grande oposição dos bispos da Rússia, uma vez que um metropolita só pode ser eleito pelo sínodo de seu patriarcado (nesse caso, Constantinopla), e que Clemente governaria a Igreja como um fantoche de Iziaslau, exercendo influência contrária a Constantinopla nas terras politicamente independentes de Kiev mas eclesiasticamente subordinadas a Kiev (como a República de Nóvgorod e o Principado de Smolensk).

Dentre os bispos que se recusaram a reconhecer a canonicidade de Clemente estava São Nífon, Bispo de Nóvgorod (1130–1156). Por conta disso, em 1149 o exército de Iziaslau marchou até a Catedral de Nóvgorod e capturou São Nífon, aprisionando-o em Kiev. Clemente governou a Igreja ilegitimamente durante oito anos, até Kiev ser capturada em março de 1155 pelo Príncipe Jorge de Suzdal. Jorge, agora Grão-Príncipe de Kiev (1155–1157), expulsou Clemente e enviou uma carta ao patriarcado em Constantinopla, solicitando a eleição de um metropolita para as terras russas. O Santo Sínodo, sob presidência do Patriarca Constantino IV (1154–1157), elegeu o santo hieromonge Constantino como Metropolita de Kiev (1155–1158). São Constantino iniciou um árduo trabalho para retroceder os feitos de seu antecessor, incluindo excomungar bispos e sacerdotes leais a Clemente e trazer sacerdotes de Constantinopla para assegurarem a pureza da Fé nas igrejas da Rússia. Após o repouso de São Nífon, São Constantino ordenou Santo Arcádio, então hegúmeno do Mosteiro da Dormição da Mãe de Deus em Nóvgorod, como Bispo de Nóvgorod (1156–1162).

Em 1157, havia uma família muito piedosa em Nóvgorod e, como fruto das orações e esforços dos Santos Nífon, Constantino e Arcádio pelos povos russos, Deus presenteou aquela família com um filho, o qual foi nomeado Antônio. Durante sua infância, Antônio recebeu uma completa educação cristã pelos seus pais, e não encontrava interesse algum nas brincadeiras infantis, risos e conversas jogadas fora pelas crianças de sua idade. Em vez disso, Antônio afastou-se das crianças para ir visitar sua igreja, e passou a fazer isso todos os dias da semana, distanciando-se dos próprios fiéis para poder conversar com Deus sem ser importunado por conversas vãs e mundanas.

Assim como Santo Antão — seu padroeiro — outrora fora tocado pelas palavras do Evangelho, da mesma forma estas palavras de Cristo entraram no coração de Antônio:

“Se alguém quiser vir após Mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz e siga-Me. Porque aquele que quiser salvar a sua alma a perderá, mas aquele que perder a sua alma por amor de Mim a encontrará. Pois que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma? Ou que dará o homem em troca da sua alma? Porque o Filho do Homem virá na glória de Seu Pai com os Seus anjos; e, então, dará a cada um segundo as suas obras. Em verdade vos digo que alguns há, dos que aqui estão, que não provarão a morte até que vejam vir o Filho do Homem no Seu Reino.”[1]

Por muito tempo Antônio refletiu nessas palavras. Ao fim de sua adolescência, pediu a bênção de seus pais para deixar sua casa e iniciar a vida monástica.

O mosteiro de São Barlaão

Naquele tempo, ao norte da cidade de Nóvgorod havia um asceta chamado Barlaão, o qual deixara para trás todas as riquezas de sua herança para viver uma vida agradável a Deus nas florestas de Khutyn', às margens do rio Volkhov, distante dez quilômetros do centro de Nóvgorod. Os antigos espíritos impuros e maldições que habitavam naquela floresta partiram em debandada pela vida austera de São Barlaão, e rotineiramente chegavam pessoas da cidade implorando para serem aceitas como seus discípulos, entre os quais estava Antônio. O nous iluminado de São Barlaão percebeu a grandeza espiritual daquele jovem, e o ancião logo tomou-o para si como noviço.

Sobressaindo-se nas virtudes divinas, Antônio foi tonsurado como monge, e viveu em perfeita obediência ao seu pai espiritual, cumprindo-as com zelo e humildade. Antônio jamais abreviava ou omitia sua regra de oração, e sempre estava presente nos ofícios da Igreja da Transfiguração, construída por São Barlaão. Assim como antes do monasticismo, o jovem monge continuou sendo o primeiro a chegar no templo e o último a sair.

Alguns anos mais tarde, em meados da década de 1180, São Barlaão outorgou as bênçãos para que seu filho tomasse o longo e árduo caminho em direção à Rainha das Cidades, para o benefício espiritual da irmandade e para igualá-la com as práticas monásticas dos grandes mosteiros de Constantinopla. Para consolá-lo, o hegúmeno disse: “Vai em paz, minha criança, e que o Senhor te guie no seu caminho. Quando a dificuldade e a tristeza tomarem conta de ti, lembre-te de que são pelas portas da dificuldade e da tristeza que entramos no Reino de Deus.”

As guerras pela sucessão do trono de Kiev haviam se apaziguado com os acordos entre os príncipes Svyatoslav III e Ryurik, e Antônio pôde visitar diversas igrejas e lugares santos nos mais de dois mil quilômetros até Constantinopla. Em seu caminho, Antônio lembrava-se das palavras de Cristo: “Não temais os que matam o corpo e depois não têm mais o que fazer. Mas Eu vos mostrarei a Quem deveis temer: temei Aquele que, depois de matar, tem autoridade para lançar na Geena; sim, vos digo, a Esse temei. Não se vendem cinco passarinhos por dois assários? E nenhum deles está esquecido diante de Deus. E até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados. Não temais, pois; mais valeis vós do que muitos passarinhos.”[2]

O asceta permaneceu durante cinco anos nos mosteiros de Constantinopla e foi recebido com muito apreço pelo patriarca (provavelmente Nicetas II), o qual presenteou-o com vários itens litúrgicos para levar a São Barlaão. Passados os cinco anos, Antônio retornou a Khutyn'. Pela Divina Providência, o dia da chegada de Antônio coincidiu com o último dia da vida terrena de São Barlaão. Este, reunindo os monges, consolou-os e instruiu a jamais enfraquecerem no jejum e na oração, e a viverem todos os dias como se aquele fosse seu último.

Em sua cama, o ancião abençoou Antônio para ser seu sucessor, ao que seus olhos choviam lágrimas — não apenas por estar vendo seu pai espiritual pela última vez, mas porque considerava-se indigno de tornar-se o sucessor de alguém tão grande como São Barlaão. Além de liderar a irmandade, a Antônio estava também incumbida a construção do mosteiro, através das doações do Príncipe Yaroslav de Nóvgorod (1182–1199). Isso aconteceu porque, enquanto Antônio estava em Constantinopla, São Barlaão recebeu a visita do príncipe em 1190, atormentado com as guerras pelos principados. O ancião acalmou-o e abençoou, predizendo que seu filho havia de nascer. Naquele mesmo ano, seu primogênito Izyaslav nasceu, e o príncipe dispensou uma grande quantia para a transformação do eremitério num mosteiro. Quando Antônio retornou de Constantinopla a Khutyn', em 6 de novembro de 1192, apenas a igreja havia sido reconstruída (de madeira para pedra), tendo sido consagrada no mês anterior por São Gregório, Arcebispo de Nóvgorod (1186–1193), o qual conferiu o título de hegúmeno a São Barlaão, oficializando o reconhecimento do mosteiro.

O ermo de Nóvgorod

Como hegúmeno de Khutyn, Santo Antônio seguiu estritamente as regras deixadas por São Barlaão, sendo um exemplo para os monges. Além da Igreja da Transfiguração, o asceta construiu a Igreja da Anunciação, decorando-a por completo com ícones em honra à Mãe de Deus e aos santos. O hegúmeno recebera de Deus o dom de orar em lágrimas, as quais lavavam qualquer traço de orgulho que tentasse contaminar sua alma. Ainda assim, o peso de ser responsável pela alma e vida daqueles monges, sabendo que o mínimo deslize na Fé que ele cometesse poderia provocar o escândalo e a morte espiritual de algum deles, era excruciante. Além disso, assim como o era em sua infância, Santo Antônio preferia realizar seus feitos ascéticos em segredo, longe da glória mundana.

Por muito tempo Santo Antônio orou à Mãe de Deus que o mostrasse uma saída para isso, do jeito que melhor a agradasse. Certo dia, assim como fizera outrora Santo Antônio de Kiev, seu onomástico em Khutyn reuniu a irmandade, informando-os que buscaria um lugar de solidão para si, e elegeu entre os irmãos um novo hegúmeno para sucedê-lo. Mesmo com os rogos dos monges, Santo Antônio não revelou-os para onde partiria e, quando finalmente todos os monges voltaram para as suas celas, seguiu a nordeste pela floresta, sendo guiado pela própria Mãe de Deus.

Santo Antônio andou por incríveis cento e setenta quilômetros em sua peregrinação na floresta, sendo a oração seu principal alimento durante todo esse tempo. Tempos mais tarde, chegou ao lago Dymskoe, integrante da bacia do rio Tikhvinka, distante dez quilômetros da futura cidade de Tikhvin. O lago, ao sopé de uma colina, era coberto por uma névoa branca, que pairava como uma fumaça (daí o nome Dymskoe: dym, em russo, significa “fumaça”).

Nas margens daquele lago havia uma grande rocha, sobre a qual Santo Antônio ergueu suas mãos para os Céus e orou durante um longo tempo, dando graças a Deus e suplicando pelas bênçãos do Criador naquele lugar. No início do século XIII, não havia presença humana considerável num raio de quase cem quilômetros e, sozinho no prístino silêncio daquela densa floresta, dedicou-se inteiramente a Deus.

Construindo uma cabana de madeira rodeada por arbustos e uma cela para si às margens do lago, o santo asceta esquivava-se das tentações demoníacas e da ociosidade de todas as formas: ao raiar do sol, trabalhava sem descanso algum, e, durante a noite, ocupava-se com a oração e a regra atribuída a ele, tendo apenas algumas horas para dormir, acordando ainda de madrugada para cantar os salmos. Para sobreviver ao inverno, cujas temperaturas podiam chegar a até quarenta graus negativos, Santo Antônio cavou uma caverna para si, e pacientemente suportou o frio e o calor.

Surpreendentemente, mesmo em um lugar tão remoto, Santo Antônio foi eventualmente encontrado nos anos seguintes, provavelmente por pescadores e caçadores que navegavam pelo Tikhvinka. Não tardou até que monges aparecessem, suplicando por uma vida solitária sob a orientação de Santo Antônio. Aceitando-os com o pretexto de que aquele lugar continuasse sendo apenas um eremitério, o lago Dymskoe floresceu como Khutyn. Os monges construíram uma igreja em honra a Santo Antão, o Grande, e mais duas capelas: uma dedicada à Proteção da Mãe de Deus e outra a São Nicolau, o Taumaturgo. Mais tarde, uma segunda igreja foi construída, em honra a São João, o Batista, com materiais que isolassem o frio. Junto à igreja de inverno, foi feito uma trapeza, onde os monges cozinheiros serviam a refeição e liam os salmos. Um cemitério também foi construído para o mosteiro.

Santo Antônio, como hegúmeno do novo mosteiro, governou-o diligentemente por anos até o seu abençoado repouso. Tendo adquirido de Deus o dom da clarividência, o ancião, agora com sessenta e sete anos, previu o dia de sua morte, e reuniu todos os monges de seu mosteiro para apontar um sucessor. Abençoando-os, participou da última Divina Liturgia com eles em honra à Natividade de São João, o Batista, e, após comungar os Divinos Mistérios de Cristo, entregou sua alma em 24 de junho de 1224, tornando-se um fervoroso intercessor junto ao seu padroeiro e ao seu pai espiritual por todos aqueles que a eles clamarem.

Pós-vida

Os monges, desolados com a perda terrena de seu pai, enterraram-no no lado norte da igreja. Cem anos depois, em 1330, na era de São Moisés, Arcebispo de Nóvgorod (1325–1359), o túmulo de Santo Antônio foi aberto, e seu corpo foi encontrado incorrupto. Esse milagre foi posteriormente considerado pelos habitantes de Tikhvin como um prenúncio da milagrosa aparição do Ícone da Mãe de Deus de Tikhvin, o qual pairou pela cidade em 1383.

Cerca de oitenta anos mais tarde, em 1409, os islâmicos atacaram Moscou, e um destacamento da Horda Nogai foi enviado para tomar Nóvgorod. Diante disso, a irmandade do mosteiro escondeu as relíquias de Santo Antônio num local secreto, temendo sua profanação pelos tátaros. Em 1611, durante a Guerra Ingriana, o Rei Carlos IX da Suécia (1604–1611) ordenou a destruição de Tikhvin, e seus guerreiros luteranos atearam fogo ao mosteiro. Pelas intercessões da Mãe de Deus e de Santo Antônio, a população conteve e expulsou os suecos de Nóvgorod, reconstruindo o mosteiro de Dym'.

Duas vezes o mosteiro foi atingido por incêndio no século XVII, porém em ambas Santo Antônio apareceu perante o hegúmeno em sonho, alertando-o das chamas. Assim, o fogo foi contido a tempo. Em 1744, certo enfermo de São Petersburgo recorreu às intercessões de Santo Antônio para que fosse curado de sua dura e longa doença. Sendo curado, foi até o mosteiro e custeou um túmulo de madeira e detalhes em ouro para revestir as relíquias do santo. O mosteiro também abriga o pesado chapéu — ou gorro — de ferro utilizado pelo santo, o qual muitos fiéis e enfermos veneram junto às suas relíquias.

Na iconografia, Santo Antônio é retratado segurando uma carta com o seguinte trecho do Salmo 54, lido no ofício da hora sexta: “Eis que fugi para longe e me abriguei no deserto.”

Referências

  1. Mateus 16
  2. Lucas 12