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Xenofonte de Constantinopla

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Após alguns anos, Xenofonte ficou gravemente enfermo. Acreditando que seu esposo poderia estar em seus últimos dias, Maria escreveu aos seus filhos em Beirute para que voltassem a Constantinopla para receberem uma última bênção de seu pai e estarem presentes em seu funeral. Ambos apressaram-se de volta a Constantinopla, e Xenofonte alegrou-se tanto com sua presença que sua condição melhorou. O pai mandou-os sentar junto à sua cama e disse-lhes:
: “Filhos, meu fim aparenta estar próximo. Se sou amado por vós, prestai atenção ao que direi, não por vanglória, mas para que possais traçar o caminho da virtude. Creio que, se tomardes minha vida como exemplo, não precisareis de outra, pois as boas lições aprendidas de um pai, sejam elas dadas por palavras ou ação, são mais valiosas do que qualquer outro ensinamento. Sabeis que sou um homem devoto, e sempre fui sincero ao lidar com os outros. Todos os que me mostram respeito não o fazem por causa de minha nobre linhagem, mas em reconhecimento de minha branda e correta conduta. Jamais quis ofender, censurar, caluniar ou invejar a ninguém, nem me irrito sem razão e muito menos guardo rancor. Ao contrário, amo e tenho relações amistosas para com todos. Frequento a igreja todos os dias, de manhã e à noite. Não desprezo nem o mendigo, nem o estrangeiro, nem o desfavorecido, mas dou o consolo a todos os aflitos. Frequentemente visito os aprisionados, e já resgatei muitos cativos. Ponho uma guarda à minha boca para não dizer nada maligno. Velo pelos meus olhos para jamais olhar apaixonadamente para outras mulheres. Nunca conheci uma mulher a não ser vossa mãe, e só partilhei da cama dela até vosso nascimento. Desde então, por mútuo consentimento e com a ajuda de Deus, abstivemo-nos de relações conjugais. Meus filhos, imitai vossos pais e adquiri nossa Fé, paciência e humildade. Vivei em agrado a Deus, e Ele lhes concederá uma longa vida. Dai esmolas aos pobres, defendei as viúvas e os órfãos, visitai os doentes e os presos, assisti os injustiçados e ficai em paz com todos. Sede fiéis aos vossos amigos, fazei o bem aos vossos inimigos e não respondei o mal com o mal. Sede bondosos, gentis e amorosos para com todos, e permanecei sempre humildes. Preservai a castidade da alma e do corpo e, se Deus conceder-vos uma noiva, conservai vossa cama imaculada. Sede generosos às igrejas e aos mosteiros e honrai os sacerdotes e os monásticos, por conta dos quais o Senhor tem piedade do mundo. Lembrai especialmente daqueles que vagueiam pelo amor a Deus nos desertos, nas montanhas, nas covas e nas cavernas, e providenciai-os em suas necessidades. Se alimentardes o pobre, jamais terão em falta. Eu provi generosamente aos necessitados e em nossa casa jamais sofremos de fome. Orai frequentemente e prestai atenção aos ensinamentos dos santos. Respeitai vossa mãe e obedecei a ela com temor a Deus. Jamais desafieis vossos desejos. Sede gentis aos escravos: tratai-os com o mesmo amor que daríeis aos vossos filhos e libertai-os quando chegarem à velhice, mas continuai a fornecer-lhes tudo o que precisarem até o dia em que morrerem. Repito: fazei como eu fiz, para que sejais considerados dignos da bem-aventurança dos santos. Nunca esqueçais que esta vida é fugaz, e sua glória não conta para nada. Filhos, obedecei aos mandamentos do Senhor e às minhas imposições, e que o Deus da paz esteja convosco.”
A estas palavras, João e Arcádio rogaram: “Pai, não nos abandone, pede a Deus por mais tempo! O Senhor certamente atenderá ao teu pedido. Se é para que nós avancemos na virtude, precisaremos de ti para nos guiar, pois ainda somos muito jovens.!” Xenofonte suspirou e, em muitas lágrimas, disse: “Desde quando Deus visitou-me com esta enfermidade e tive de ser confinado nesta cama, tenho orado incessantemente para que Ele me permita mais tempo em razão de vossa juventude… Desejo ver-vos atingirem a perfeição.”
Naquela noite, Xenofonte foi visitado pelo Senhor em sonho, e foi avisado que seus dias na terra haviam sido prolongados. Ao despertar, informou sua família sobre o sonho, e todos se alegraram e deram graças a Deus. Sua saúde melhorava cada vez mais, e Xenofonte instruiu-os: “Meus filhos, retornai aos vossos estudos. Quando conclui-los, voltai, e arranjarei um casamento para vós.”
O monge respondeu-o: “Não te entristeças, meu filho, teu irmão está vivo. Ele e os vossos escravos foram salvos por Deus, e já entraram em vários mosteiros. Inclusive, João já foi tonsurado monge. Tua oração foi ouvida: em breve verás o teu irmão.” Assombrado, Arcádio novamente caiu aos pés do clarividente, e exclamou: “Deus revelou-lhe tudo sobre mim! Não me rejeites, leva-me a um mosteiro e salva a minha alma!”
“Deus seja louvado, meu filho, segue-me.” E levou-o à Lavra de São Caritão, no deserto da Judeia. Lá, Arcádio foi tonsurado monge e recebeu a antiga cela de um grande Pai do Deserto que lutou havia labutado durante cinquenta anos. O ancião viveu com Arcádio durante um ano, ensinando-o a combater os inimigos invisíveis, e então partiu para o deserto, com a promessa que tornaria a vê-lo após três anos. Arcádio, por sua vez, cumpriu fielmente a regra dada pelo ancião, e labutou dia e noite em serviço a Deus.
=== Busca ===
Passados dois anos do naufrágio e não tendo recebido uma só carta de seus filhos, Xenofonte e Maria enviaram um de seus escravos a Beirute para que os encontrasse. Em Beirute, foi informado que os dois estudantes não haviam retornado à cidade. Pensando terem partido a Atenas para ingressar em outra escola, navegou até lá, e não obteve êxito algum. Desanimado, o servo partiu de volta a Constantinopla. Numa noite, um monge passou pela pousada onde ele estava hospedado. Os dois começaram a conversar, e o monge mencionou que estava em peregrinação a Jerusalém para venerar os lugares santos. Olhando mais atentamente, o escravo indagou-o: “Não és tu um dos escravos que meu amo Xenofonte enviou a Beirute com seus filhos João e Arcádio?”
O monge, que havia-o reconhecido primeiro, admitiu: “Sim, sou eu. Nós dois nos conhecemos e ambos fomos escravos de Xenofonte.” E o servo: “Como, então, estás vestido como um monge, e onde estão nossos amos João e Arcádio? Diz a mim o que sabes, pois procurei-os por toda a parte, e não encontrei nem seus vestígios!” Os olhos do monge encheram-se de lágrimas, e ele suspirou: “Nossos mestres e todos os outros que estavam na embarcação morreram, exceto a mim. mim… Em meu juízo, julguei ser melhor concluir os meus dias num mosteiro do que levar uma notícia tão triste aos nossos amos.” O servo, chorando e batendo no peito, disse:
: “Ai de mim! Que terrível foi o vosso destino, meus mestres! Que sofrimento! Que horrível maneira de morrer! Como poderei eu informar vossos pais disso e suportar as lágrimas de vosso pai e as dores de vossa mãe, isso sem contar seus gritos de lamentação? Ai de mim, meus bondosos mestres; convosco, minhas esperanças pereceram! Pensava eu que herdaríeis tudo o que pertence aos vossos pais, e nós, os escravos, ansiávamos por um futuro feliz. Os pobres aguardavam pelas esmolas, os estrangeiros pela hospitalidade, as igrejas pelos adornos, os mosteiros pelas provisões, mas tudo foi em vão; que farei eu? Como poderei enfrentar meu amo Xenofonte com a notícia de que seus filhos morreram no mar? Ambos expirarão ao ouvir isso. É melhor que eu abandone minha missão e fuja, a ser responsável pelas suas mortes!”
O escravo continuava insistindo em não retornar a Constantinopla, e os viajantes que os ouviam da pousada começaram a dizer: “Deves dizer a verdade aos teus mestres, pior será se eles invocarem o castigo divino sobre ti! A morte súbita pode cair sobre ti, e poderás perder tua salvação.” Vencido, o servo pôs-se a caminho novamente para Constantinopla. Ao chegar, entrando na casa, sentou-se em silêncio, abatido e com a cabeça baixa.
Quando Maria viu-o, correu até ele e perguntou-lhe como estavam seus filhos. O servo disse que estavam bem. Ela ainda perguntou sobre suas cartas, mas ele apenas respondeu que as havia perdido no caminho. Perturbada, Maria exclamou: “Pelo amor de Deus, dizdize-me a verdade! Minha alma se debate e minhas forças estão se extinguindo!” O servo começou a chorar, e contou-a tudo. “Ai de mim, minha senhora, as luzes de tua vida se expiraram no mar… A embarcação que levava teus filhos naufragou, e todos afogaram-se!”
Maria, que tinha uma firme confiança em Deus, permaneceu sob controle. Não desmaiou e nem gritou, mas somente disse: “Bendito seja nosso Deus, pois isso foi feito segundo a Sua Vontade. Bendito seja o Nome do Senhor agora e sempre. Não contes isso a mais ninguém. O Senhor deu, e o Senhor tirou. Ele sabe o que é melhor para nós.”
Xenofonte protestou: “Traz-me as cartas! Quero saber como estão os nossos filhos. Posso falar com o escravo amanhã.” Então, Maria, incapaz de se conter, irrompeu-se em lágrimas. Xenofonte ficou apreensivo, e perguntou: “O que é, meu amor? Por que estás a chorar? Eles ficaram doentes?” Maria, engasgando-se em choro, respondeu: “Quem dera que eles estivessem doentes! Nossos queridos filhos pereceram no mar!”
Lágrimas começaram a escorrer do rosto de Xenofonte, e este gemeu-se: “Bendito seja o Nome do Pai, do Filho, e do Espírito Santo. Agora, agora, sempre, e pelos séculos dos séculos, amém. Amém. Não te entristeças, meu amor, pois Deus não destruiria nossos filhos. Nunca ousei ofender ao bom Deus, e recusei-me a acreditar que Ele me traria tristeza em minha velhice. Façamos vigília esta noite, suplicando a Deus que mostre Sua Misericórdia. Ele revelar-nos revelará se nossos filhos estão vivos ou não.”
Com isso, eles se levantaram e trancaram-se na capela até o amanhecer, orando, derramando lágrimas e confiando que o Senhor atenderia ao seu pedido. Ao amanhecer, adormeceram. Ambos, então, sonharam que seus filhos estavam gloriosamente de pé diante de [[Jesus Cristo]]. Um trono havia sido preparado para João, e ele segurava um cetro e usava uma coroa ricamente ornamentada com pérolas e joias. Outro trono radiante havia sido preparado para Arcádio, que segurava uma cruz em sua mão destra e usava um diadema de estrelas. Ao despertarem, cada um contou ao outro sobre o sonho, e entenderam que seus filhos estavam vivos e sob a proteção da Misericórdia de Deus. Consolado, Xenofonte disse: “Maria, meu amor, de alguma forma, acredito que nossos filhos estão em Jerusalém. Deveríamos descer até lá e venerar os lugares santos. Talvez nós também encontraremos nossos filhos.”
Maria concordou, e os piedosos pais começaram a fazer os preparativos para a viagem. Emitiram as instruções ao mordomo e distribuíram esmolas aos necessitados. Então, levando consigo ouro para suas despesas e para caridade, partiram para o longo caminho até Jerusalém. Quando chegaram à Cidade Santa, visitaram os lugares sagrados, distribuindo grandes quantias aos pobres pelo caminho. Em seguida, foram aos mosteiros da região para perguntar sobre seus filhos. Não obtendo êxito, conseguiram encontrar um dos escravos que estava no naufrágio e tornou-se monge. Imediatamente abraçaram-no, beijaram-no e jogaram-se aos seus pés. O monge, prostrado, se opôs: “Mestres, isso é muito indecoroso… Pelo amor de Deus, não vos rastejeis perante o vosso servo!”
Xenofonte insistiu: “Nós temos o mais profundo respeito pelo monasticismo. Não fiques triste, mas dizdize-nos tudo o que puder sobre os nossos filhos!” Os olhos do monge encheram-se de lágrimas, e ele disse: “Nossa embarcação naufragou, e cada um segurou-se numa tábua. A tempestade nos separou um do outro; não sei se mais alguém foi salvo, mas apenas que cheguei à costa de Tiro na Fenícia.”
Os dois despediram-se do monge, recompensando-o generosamente e pedindo-lhe que orasse por eles e pelos seus filhos. Depois, desceram à Jordânia, com a intenção de encontrar um lugar para orar e dar esmolas por lá. No caminho, cruzaram-se com o mesmo ancião clarividente que há quase três anos havia tonsurado Arcádio e, caindo aos pés do monge e implorando por suas orações, o ancião os anunciou: “Foi o amor pelos filhos que trouxe meus senhores Xenofonte e Maria a Jerusalém. Não entristeçais: vossos filhos estão vivos. Deus já vos revelou em sonho a glória que os espera nos Céus. Ide, operários da videira do Senhor, orai no Jordão e voltai à Cidade Santa. Tornareis a ver vossos filhos.” O ancião, então, continuou seu caminho a Jerusalém, e o casal, maravilhado, dirigiu-se ao Rio Jordão.
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