Xenofonte de Constantinopla

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São Xenofonte.

Os Veneráveis Santos Xenofonte, Maria, Arcádio e João de Constantinopla (séc. VI) foram uma família monástica grega. A Igreja comemora a santa família no dia 26 de janeiro.

Vida

Xenofonte, sua esposa Maria e seus filhos Arcádio e João eram uma nobre família cristã de Constantinopla durante a era do santo Imperador Justiniano, o Grande (527–565). Apesar de suas riquezas e renomes, se distinguiam por sua simplicidade de alma, bondade de coração e observância aos mandamentos divinos, e dessa maneira criaram seus filhos no temor a Deus. Desejando dar a seus filhos uma educação secular mais completa, seus pais os enviaram para a cidade de Beirute na Fenícia (atual Líbano), conhecida por suas escolas.

Depois de um tempo, Xenofonte ficou gravemente enfermo. Acreditando que seu esposo poderia estar em seus últimos dias, Maria escreveu aos seus filhos em Beirute para que voltassem a Constantinopla para receberem uma última bênção de seu pai e estarem presentes em seu funeral. Ambos apressaram-se de volta a Constantinopla, e Xenofonte alegrou-se tanto com sua presença que sua condição melhorou. O pai mandou-os sentar junto à cama e disse-lhes:

“Filhos, meu fim aparenta estar próximo. Se sou amado por vós, prestai atenção ao que vou dizer, não por vanglória, mas para que possais traçar o caminho da virtude. Creio que, se tomardes minha vida como exemplo, não precisareis de outra, pois as boas lições aprendidas de um pai, sejam elas dadas por palavras ou ação, são mais valiosas do que qualquer outro ensinamento. Sabeis que sou um homem devoto, e sempre fui sincero ao lidar com os outros. Todos os que me mostram respeito não o fazem por causa de minha nobre linhagem, mas em reconhecimento de minha branda e correta conduta. Jamais quis ofender, censurar, caluniar ou invejar a ninguém, nem me irrito sem razão e muito menos guardo rancor. Ao contrário, amo e tenho relações amistosas com todos. Frequento a igreja todos os dias, de manhã e à noite. Não desprezo nem o mendigo, nem o estrangeiro, nem o desfavorecido, mas dou o consolo a todos os aflitos. Frequentemente visito os aprisionados, e já resgatei muitos cativos. Ponho uma guarda à minha boca para não dizer nada maligno. Velo pelos meus olhos para jamais olhar apaixonadamente para outras mulheres. Nunca conheci uma mulher a não ser vossa mãe, e só partilhei da cama dela até vosso nascimento. Desde então, por mútuo consentimento e com a ajuda de Deus, abstivemo-nos de relações conjugais. Meus filhos, imitai vossos pais e adquiri nossa Fé, paciência e humildade. Vivei em agrado a Deus, e Ele lhes concederá uma longa vida. Dai esmolas aos pobres, defendei as viúvas e os órfãos, visitai os doentes e os presos, assisti os injustiçados e ficai em paz com todos. Sede fiéis aos vossos amigos, fazei o bem aos vossos inimigos e não respondei o mal com o mal. Sede bondosos, gentis e amorosos para com todos, e permanecei sempre humildes. Preservai a castidade da alma e do corpo, e se Deus conceder-vos uma noiva, conservai vossa cama imaculada. Sede generosos às igrejas e aos mosteiros e honrai os sacerdotes e os monásticos, por conta de quem o Senhor tem piedade do mundo. Lembrai especialmente daqueles que vagueiam pelo amor a Deus nos desertos, nas montanhas, nas covas e nas cavernas, e providencie-os em suas necessidades. Se alimentardes o pobre, jamais terão em falta. Provi generosamente aos necessitados e em nossa casa jamais sofremos de fome. Orai frequentemente e prestai atenção aos ensinamentos dos santos. Respeitai vossa mãe e obedecei a ela com temor a Deus. Jamais desafiais vossos desejos. Sede gentis aos escravos: tratai-os com o mesmo amor que daríeis aos vossos filhos e libertai-os quando chegarem à velhice, mas continuai a fornecer-lhes tudo o que precisarem até o dia em que morrerem. Repito: fazei como eu fiz, para que sejais considerados dignos da bem-aventurança dos santos. Nunca esqueçais que está vida é fugaz, e sua glória não conta para nada. Filhos, obedecei aos mandamentos do Senhor e às minhas imposições, e que o Deus da paz esteja convosco!”

A estas palavras, João e Arcádio rogaram: “Pai, não nos abandone, peça a Deus por mais tempo! O Senhor certamente atenderá ao seu pedido. Se é para que nós avancemos na virtude, precisamos de ti para nos guiar, pois ainda somos muito jovens.” Xenofonte suspirou e, em muitas lágrimas, disse: “Desde quando Deus visitou-me com esta enfermidade e tive de ser confinado nesta cama, tenho orado incessantemente para que Ele me permita mais tempo em razão de vossa juventude… Desejo vê-los atingirem a perfeição.”

Naquela noite, Xenofonte sonhou que Deus havia prolongado os seus dias na terra. Ao despertar, informou sua família sobre o sonho, e todos se alegraram e deram graças a Deus. Sua saúde estava melhorando consideravelmente, e Xenofonte instruiu-os: “Meus filhos, retornem aos seus estudos. Quando conclui-los, voltem, e vos arranjarei um casamento.”

Sob as bênçãos do pai, embarcaram numa nau a Beirute. Então, através da Divina Providência, uma tempestade surgiu, e o mar se agitou. Os marinheiros soltaram o leme, e a embarcação se partiu. Todos a bordo choravam por suas vidas, e os irmãos oravam:

“Ó generoso Mestre, Criador de todas as coisas, não desprezes aqueles a quem Tu moldaste do pó! Permanecei conosco e não Te esqueças das boas ações de nossos pais. Não deixes que morramos na flor da juventude; não permitas que o abismo engula nosso barco; não Te esqueças da Tua misericórdia, mas olha do alto da Tua glória e vê a nossa angústia. Ouvi nossos gemidos e gritos, porque, com coração contrito e um espírito humilde, rogamos a Ti. Estende a Tua Mão destra todo-poderosa e livra-nos das portas da morte, trata-nos segundo a Tua abundante compaixão! Livra-nos por amor da Tua misericórdia, porque nem os mortos hão de Te louvar, nem os que descem ao Hades, mas nós, os vivos, glorificaremos Teu temido Nome.”

Como a tempestade estava se tornando cada vez mais violenta e a embarcação estava em perigo iminente de afundar, os tripulantes entraram no bote salva-vidas e fugiram, deixando todos no navio. João e Arcádio, prevendo a morte, exclamaram a seus pais, como se eles estivessem presentes: “Que vós desfruteis sempre de uma boa saúde, queridos pai e mãe! Não tornareis a ver-nos, nem nós hemos de vos ver; nunca mais desfrutaremos juntos dos prazeres do lar!” Então, um disse ao outro:

“Ai, amado irmão; ai, luz dos meus olhos! Como é difícil a separação! De que nos serviram as orações de nossos pais, as esmolas aos pobres, a generosidade e o respeito aos monges? Alguma de suas orações por nós chegou a Deus? Se sim, ficaram impotentes, ineficazes pelos nossos muitos pecados, pelos quais não somos dignos de permanecer vivos. Ai de nós! Há pouco tempo lamentávamos a morte de nosso pai; agora seremos nós a causa de lamento a eles. Ó pai, foste solícito para que recebêssemos uma boa educação e levássemos uma vida virtuosa, mas nunca verás sequer os nossos corpos! Ó mãe, esperavas que nos casássemos e nos preparássemos às núpcias, mas jamais verás sequer nossos túmulos! Quão difícil é para os pais testemunharem a morte e o sepultamento da sua prole, e muito mais para os nossos, que perderão seus filhos sem deixarem rastros nem história do seu fim! Tínhamos a esperança de vos pôr a descansar na velhice, mas somos indignos de sermos enterrados por vós. Salva-te, meu irmão, e perdoa-me!”

Tendo dado um último abraço e beijo, clamaram mais uma vez a Deus: “Ó Rei e Mestre de todos, uma morte cruel nos espera! Se nossas vidas hão de se terminar nas profundezas, pelo menos não nos separes. Que uma só onda nos cubra, e que as entranhas de um monstro do mar sejam o nosso túmulo comum.” E, aos escravos que os acompanhavam: “Salvai-vos, bons irmãos e amigos, e perdoai-nos!”

Depois disso, o navio naufragou, salvos tendo agarrado nas tábuas no navio, cada um chegou em terra em lugares diferentes: Arcádio em Tetrapírgia na Ásia (atual Antália na Turquia), João em Malmefetânia (lugar desconhecido) e os escravos em Tiro, na Fenícia. Cada irmão pensou que o outro havia se afogado, e sofreram mais pela perda do que se regozijaram com sua própria libertação. João, chegando em terra, perguntou-se:

“E agora? Não posso aparecer nu numa cidade. É melhor que eu encontre um mosteiro onde seus piedosos ascetas trabalham na pobreza e na obscuridade para Deus, meu salvador. De que servem as riquezas deste mundo? Talvez o Senhor não nos tenha ouvido quando orávamos no barco pois nossos pais tinham planos para casarmos e herdarmos grandes riquezas e bens. Teríamos perecido com a vaidade do mundo da mesma forma que pereceríamos com o mar. Sabendo o que é bom para nós, o onipotente Deus que tudo vê apartou a tempestade de nós. Não podemos prever o futuro, mas nosso divino Benfeitor faz e ordena os eventos sempre tendo em vista nossa salvação.”

Então, João levantou suas mãos a Deus e orou: “Ó Senhor, meu Senhor, que me salvaste da morte nas turbulentas ondas, salva também meu irmão Arcádio! Livra-o de uma morte amarga assim como me livraste na Tua misericórdia. E se já o salvou, ilumina sua mente para que ele possa Te agradar na vida monástica. Mantém também ilesos os nossos servos, para que Teu santo Nome seja glorificado.” Ele continuou sua oração enquanto andava pelo litoral, dizendo: “Ó Senhor Jesus Cristo, Verbo Unigênito de Deus, ouve o Teu servo, dirige meus passos no cumprimento dos Teus mandamentos e guia-me pela Tua sagrada Vontade, pois Tu, ó Mestre, és meu único auxílio.”

Depois de um tempo, João encontrou um mosteiro. Bateu na porta, e disse que estava nu. Um monge atendeu-o e, dando-lhe seu manto, levou-o à sua cela, onde ofereceu-lhe pão e sopa de vegetais. Então, o monge perguntou-lhe de onde ele vinha. João explicou que era um náufrago e que, pelas orações do monge, Deus deu-lhe uma tábua, salvou-o da tempestade e levou-o à praia. Comovido, o monge glorificou a Deus, e perguntou para onde João iria agora.

“Para onde Deus quiser”, disse João. “Se o Mestre compassivo apagar os meus pecados e me considerar digno de assumir Seu jugo de luz, tornar-me-ei um monge. Pai, teria como eu ficar aqui?” O monge respondeu-o: “Em verdade, filho, desejas uma coisa boa! O Senhor te abençoará se o servires com zelo. Informarei o hegúmeno sobre ti, Deus revelar-lhe-á o que fazer. Sê obediente e serás salvo.”

O monge contou tudo sobre o jovem ao hegúmeno, e este ordenou que João fosse trazido diante dele. Assim que pôs os olhos sobre ele, percebeu que o abençoado havia recebido verdadeiramente um chamado de Deus. Prevendo que o jovem se sobressairia em virtude, clamou: “Bendito seja o Deus de vossos pais, Ele que te libertaste do abismo e te trouxeste até aqui!”

O hegúmeno instruiu o jovem por um longo tempo nos princípios da vida monástica e salvadora, abençoou-o com o sinal da Cruz e permitiu que ele fizesse parte do mosteiro. Pouco tempo depois, João foi tonsurado, e passou o restante dos seus dias em oração, jejum, trabalho e obediência. Ele, entretanto, jamais deixou de sofrer por seu irmão Arcádio, a quem temia que tivesse morrido afogado.

No entanto, pela Vontade de Deus, Arcádio foi salvo. Em Tetrapírgia, Arcádio caiu de joelhos e disse: “Ó Senhor, Deus de Abraão, Isaque e Jacó, Deus do meu pai, eu Te agradeço por livrar-me da morte na tempestade. Assim como Tu me salvaste quando todas as minhas esperanças haviam se esgotado e puseste meus pés em terra, ó Misericordiosíssimo, salva também o Teu servo e irmão meu João. Não permitas que ele seja engolido pelo abismo. Ouve-me, Senhor, meu Senhor, pois grande é a Tua compaixão. Não permitas que João desapareça no mar, não permitas que alguém tão jovem morra! Concede-me ver sua face mais uma vez, e então tira-me desta vida, se for preciso.” Assim dizendo, Arcádio não conteve-se em choro e desmaiou.

Quando recuperou seus sentidos, Arcádio conseguiu chegar a uma aldeia, onde um piedoso homem deu-lhe suas roupas. Vestiu-se, comeu um pouco de pão e ficou melhor. Então, achou uma igreja e lá orou e derramou suas lágrimas novamente por seu irmão. Após completar sua súplica, adormeceu sobre uma mesa no lado de fora da igreja. Em sonho, ouviu João dizer-lhe: “Arcádio, não lamentes, pela graça de Cristo estou vivo.”

Arcádio acordou, e crendo em seu sonho, regozijou-se e deu graças a Deus. “Caso volte para a casa de meus pais sem meu irmão, não trarei nada a eles senão a tristeza. Caso volte a Beirute e termine meus estudos na filosofia, para então voltar para casa sem ele, apenas tardarei a tristeza deles. Que hei de fazer? Meu pai muitas vezes exaltou a vida ascética, que traz o homem para perto de Deus. Logo, resta-me partir para o monasticismo!”

Depois de mais uma oração, Arcádio partiu para Jerusalém. Tendo venerado os lugares santos, partiu para o deserto em busca de um mosteiro. No caminho encontrou um monge de aparência venerável e adornado de cabelos grisalhos. Caindo aos seus pés e beijando-os, implorou: “Santo pai, eis que estou muito abatido, não me esqueças em tuas orações!”

O monge respondeu-o: “Não te entristeças, meu filho, teu irmão está vivo. Ele e os vossos escravos foram salvos por Deus, e já entraram em vários mosteiros. Inclusive, João já foi tonsurado monge. Tua oração foi ouvida: em breve verás o teu irmão.” Assombrado, Arcádio novamente caiu aos pés do clarividente, e exclamou: “Deus revelou-lhe tudo sobre mim! Não me rejeites, leva-me a um mosteiro e salva a minha alma!”

“Deus seja louvado, meu filho, segue-me.” E levou-o à Lavra de São Caritão, no deserto da Judeia. Lá, Arcádio foi tonsurado monge e recebeu a antiga cela de um grande Pai do Deserto que lutou durante cinquenta anos. O ancião viveu com Arcádio durante um ano, ensinando-o a combater os inimigos invisíveis, e então partiu para o deserto, com a promessa que tornaria a vê-lo após três anos. Arcádio, por sua vez, cumpriu fielmente a regra dada pelo ancião, e labutou dia e noite em serviço a Deus.

Por muito tempo seus pais não tiveram notícias de seus filhos, e presumiram que estivessem mortos. Xenofonte, no entanto, já bastante idoso, manteve uma firme esperança no Senhor e consolou sua esposa Maria, dizendo-lhe para não ficar triste, mas para acreditar que seus filhos estavam sendo cuidados pelo Senhor. Depois de vários anos, o casal fez uma peregrinação aos lugares santos, e, em Jerusalém, encontraram seus filhos vivendo como ascetas em diferentes monastérios. Os pais, consolados, deram graças ao Senhor pelo reencontro.

Os santos Xenofonte e Maria foram para monastérios separados e dedicaram-se a Deus. Os monges Arcádio e João, tendo se despedido de seus pais, saíram para o deserto, onde, depois de muito tempo de trabalho ascético, foram glorificados pelos dons da taumaturgia e do discernimento. Seus santos pais, trabalhando em silêncio e em estrito jejum, também receberam de Deus o dom da taumaturgia.

Hinos

Tropário

(Tradução livre)

Ó Deus dos nossos pais, /
que Tu sempre ajas com bondade para conosco. /
Não retires de nós a Tua misericórdia, /
mas guia nossas vidas em paz, /
pelas orações do Venerável Xenofonte e sua família.

Outro tropário

(Tradução livre)

Irradiando Seu amor e tendo mortificado as paixões, /
ó santos, fostes manifestados como vitoriosos. /
Repulsastes com razão honras e prazeres terrenos, /
tornando-vos partícipes da graça celestial. /
Ó glorioso Xenofonte, com tua augusta família, /
intercedei por nossas almas.

Condáquio

(Tradução livre)

Vigiaste os tribunais do Senhor com tua esposa e dois filhos, /
e com júbilo dedicaram vossas riquezas aos necessitados. /
Portanto, ó casa de Xenofonte, herdastes a alegria divina.

Referências

  • São Nicodemos, o Hagiorita (1819). Sinaxário dos doze meses do ano. Tomo segundo.

Ligações externas