Jorge, o Vitorioso

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O Santo Megalomártir Jorge, o Vitorioso (séc. IV), é um dos mais venerados santos taumaturgos da Igreja, responsável pela conversão da esposa do imperador mais tirânico da história do Império Romano. São Jorge é comemorado juntamente com as centenas de testemunhas de sua gloriosa vida, entre as quais conhecemos Policrônia, Gerôncio, Atanásio, Anatólio, Protoleão, Escolástica e Glicério, no dia 23 de abril (se a Grande Páscoa ainda não tiver ocorrido, a comemoração é postergada para a Segunda-Feira Luminosa). Além dessa data, a Igreja honra o santo nos dias 3 de novembro pela transladação de suas relíquias e em 10 de novembro pelo início de suas torturas. São Jorge também é padroeiro de toda a Geórgia e da Montanha Santa (atrás da Mãe de Deus).

A Mais Ortodoxa Santa Imperatriz e Mártir Alexandra de Roma é comemorada em 21 de abril, quando foi martirizada juntamente com os santos mártires Isaque, Apolo e Quadrado. Além disso, o calendário eclesiástico também celebra a consagração da Igreja de São Jorge em Quieve no dia 26 de novembro.

Vida

Jorge nasceu no século terceiro na província da Capadócia, vindo de uma próspera família cristã pertencente à nobreza romana. Em sua juventude, durante o reinado de Diocleciano (284–305), teve de fugir para Lida na Síria com sua mãe Policrônia após seu pai Gerôncio ter sido martirizado por confessar a Jesus Cristo, porém não tardou a ficar órfão também de mãe.

Partiu então para Nicomédia na Bitínia, onde ingressou na Guarda Pretoriana, e lá permaneceu até ser promovido à posição de tribuno, liderando diversas centúrias. Sua luta contra o mal — tanto material como espiritual — permitiu que ele fosse representado na iconografia como vencendo o dragão. Em um de seus feitos, havia uma grande e invencível serpente que comia todo ser vivo que visse pela frente, e passou a habitar a única fonte de água de um vilarejo. Sozinho e sem ter recebido ordens, o cavaleiro foi até a serpente e partiu-a no meio assim que ela pulou para engoli-lo. Aos 22 anos de idade, cheio de honras e medalhas, Jorge foi feito conde.

Certa vez, quando voltava de uma campanha, chegou a Nicomédia e ficou sabendo de antemão sobre uma reunião que Diocleciano estava tendo com seus governantes, com o fim de iniciar a Grande Perseguição (303–313). Jorge, que sempre teve por objetivo final servir ao seu Senhor Jesus Cristo, entendeu a missão a qual agora teria de cumprir. Distribuindo aos pobres todos os espólios que suas centúrias haviam obtido naquela campanha, prontamente apresentou-se ao Senado em 10 de novembro de 296, jogando seu cinturão ao chão, proclamando sua Fé em Cristo, repreendendo a ilusão dos ídolos e negando-se a conduzir a perseguição de seus próprios irmãos.

Diocleciano amava Jorge como se fosse um irmão, e considerava que não havia nenhum soldado tão bravo e essencial como o tribuno. Mesmo sendo tentado pelas lisonjas e promessas do tirano imperador, o santo tribuno não se deixou levar pelas persuasões e rejeitou-as, preferindo as ameaças que o foram dirigidas caso negasse oferecer sacrifícios. O imperador, então, ordenou que Jorge fosse torturado. Os carrascos chicotearam-no até suas entranhas estarem visíveis, e aspergiram sal sobre elas. Escoriaram ainda o seu corpo com pelos ásperos até que seu sangue começasse a jorrar como água. Em todos esses sofrimentos, o confessor suportou-os pacientemente. Naquela noite, o Senhor apareceu perante Jorge no cárcere e disse:

“Sê forte e anima-te, Meu amado Jorge, pois eis que fortalecer-te-ei para suportar a todos esses sofrimentos. Juro, por Mim mesmo e por todos os Meus anjos, que dentre os nascidos das mulheres ninguém se manifestou maior que João, o Batista, e que depois de ti ninguém se manifestará semelhante a ti. Porque eis que te constituí senhor sobre os setenta homens que consentiram em iniciar a perseguição do Meu povo, e tudo o que lhes disseres lhes acontecerá. Três vezes morrerás e te Eu ressuscitarei, mas, após a quarta, Eu mesmo virei sobre uma nuvem e te levarei ao lugar seguro que preparei para a tua santa morada. Sê forte e não temas, porque Eu estou contigo.”

Na manhã seguinte, São Jorge foi novamente trazido perante o tribunal. Durante todo o tempo, as pessoas ouviam-no cantar o salmo: “Apressa-Te em meu auxílio, Senhor, minha salvação!” Diocleciano, vendo que o santo ainda não havia abandonado a Cristo, ordenou que fosse novamente chicoteado nas costas e na frente, e enviou-lhe novamente à prisão, até que seus ferimentos fossem sarados. Em seguida, anunciou que estava em busca de um feiticeiro para que desse um fim ao “feitiço” do tribuno. Em pouco tempo, apareceu-lhe um mago de nome Atanásio, que não só jurou poder derrotar qualquer cristão como demonstrou seus poderes, fazendo com que um boi fosse partido ao meio sem intervenção humana alguma.

Acreditando que Atanásio era o homem certo para resgatar Jorge para si, Diocleciano tornou a trazê-lo perante o tribunal, dizendo: “Ó Jorge, é por tua causa que invoquei este homem. Tu deves vencer sua magia, ou ele vencerá a tua; tu deves matá-lo, ou ele te matará.” São Jorge olhou para o mago e pediu: “Apressa-te, meu irmão, faze-me depressa o que queres fazer, pois vejo a graça aproximar-se de ti.”

Então, Atanásio tomou um cálice com água, invocou os nomes dos demônios sobre ele e deu-lho a beber. Tendo bebido, nenhum mal aconteceu ao santo. O mago, atônito, disse: “Meu senhor, deixa-me dar-te somente mais uma vez, e se nenhum mal te suceder, acreditarei n’Aquele a quem crucificaram.” Tendo repetido o feitiço, São Jorge tornou a beber do cálice e nada lhe aconteceu. Atanásio não pode conter-se: “Ó Jorge, tu tens a Cruz de Jesus Cristo, Filho de Deus, que veio ao mundo para salvar os pecadores! Tem misericórdia da minha alma e dá-me o Selo de Cristo!”

Vendo tudo aquilo, Diocleciano enfureceu-se e ordenou que aquele homem fosse morto pela espada fora da cidade. Foi em seu próprio sangue que Santo Atanásio foi batizado, e foi o primeiro a ser martirizado através dos milagres de São Jorge.

Na manhã seguinte, Diocleciano ordenou que o confessor fosse amarrado a uma roda, cuja base possuía facas e outras pontas cortantes. Imediatamente, Jorge fraquejou-se: “De certo, nunca poderei sair vivo deste instrumento.” Mas, voltando-se a si, disse: “Ai de ti, ó Jorge, por que permitiste que esse pensamento adentrasse teu coração? Considera a sorte que te abraçou, lembra-te de que os judeus crucificaram seu próprio Senhor!” Em seguida, levantou os olhos aos Céus e disse:

“Ó Senhor, Deus imutável, Governante eterno, a Quem pertence a Vitória, Tu que concedes a Graça aos mártires, cuja Coroa e Glória és Tu, Tu que antes de teres criado coisa alguma, sim, antes de teres criado os céus e a terra, descansaste sobre as águas, e agora descansas sobre toda a raça do homem e conheces esse Teu lugar de descanso, Tu que estendeste os céus como uma câmara e a cuja ordem as nuvens derramam chuvas na estação propícia, Tu que fazes chover sobre os justos e os injustos, Tu que pesaste as montanhas numa balança e as colinas num par de pesos, Tu que assopras o vento para longe dos armazéns, Tu que lançaste os anjos rebelosos ao abismo do inferno, onde são castigados pelos dragões e ligados com laços indesatáveis; ó Senhor Deus, que nos últimos dias desejaste enviar ao mundo Teu Filho unigênito, que Se encarnou na Virgem Maria e se fez homem, sem que homem algum pudesse compreendê-lo, o Senhor Jesus Cristo, verdadeiramente nascido de Ti, que andou sobre a face do mar como em terra seca, que alimentou com cinco pães cinco mil homens até que se fartassem, que repreendeu as ondas do mar até que suas cristas se abaixassem; vem agora, ó meu Senhor, vem, ó Jesus, e socorre minha enfermidade, pois sou pecador. Sejam leves sobre mim estes sofrimentos, porque Tua é a Glória, e Teu Nome é cheio de Glória para sempre. Amém.”

Assim que terminou sua oração, os carrascos jogaram-no sobre a roda e giraram-na. Os profundos cortes abriram seu estômago, seus órgãos e intestinos caíram ao chão e todo o piso foi banhado por seu sangue. Perante o morto, Diocleciano levantou a voz e perguntou aos que lá estavam: “Onde está agora o deus de Jorge a quem chamam Jesus, a quem os judeus crucificaram e mataram? Por que não veio ele para libertá-lo de minhas mãos?” Sob as ordens do imperador, os soldados reuniram seus restos mortais e os jogaram num poço fora da cidade, para que os cristãos pudessem enterrá-lo num relicário.

Naquela tarde, um terremoto atingiu Nicomédia, o céu encobriu-se e as ondas do golfo ultrapassaram os cinco metros de altura. Alguns dos que estavam na cidade podiam ouvir trombetas, e uma carruagem corria sobre a névoa. Era Cristo em seu carro de querubins acompanhado do Arcanjo Miguel. Ele ordenou: “Desce ao poço e ajunta os restos de Meu filho Jorge, pois esse valente cultivador pensou em seu coração que não escaparia deste instrumento, no qual Eu o deixei cair para que creia de todo o seu coração e saiba que só Eu o posso libertar.”

O arcanjo desceu ao poço e ajuntou-lhe todas as partes, até que nem um só arranhão pudesse ser visto. O Senhor pegou-lhe na mão, levantou-o do poço e disse: “Ó Meu amado Jorge, eis que a Mão que formou Adão, o primeiro homem, está agora prestes a criar-te de novo.” O Senhor soprou sobre o seu rosto, e tornou a enchê-lo de vida. Abraçando-o, subiu aos Céus com o arcanjo e com os querubins. São Jorge levantou-se apressadamente, e correu de volta à cidade a procura de Diocleciano e seus servos.

Era noite, e o imperador e seus servos estavam a jantar. Encontrando-os, gritou: “Sabeis quem vos fala? Sou eu, Jorge, a quem matastes ontem porque desprezastes o meu Deus que podia destruir-vos num instante!” Diocleciano não creditou-o, e disse a todos que era um impostor disfarçado, mas o comandante Anatólio, que o conhecia há anos, exclamou: “Em verdade, este é Jorge, ele ressuscitou dos mortos!” Todos concordaram, e mais de três mil soldados e cidadãos que conheciam Jorge passaram a crer em Cristo. No dia seguinte, todos foram sentenciados ao martírio.

Não se importando se aquele era ou não o tribuno ressuscitado, Diocleciano levou-o novamente em julgamento, e ordenou que ele fosse deitado e amarrado numa placa de ferro. Então, os carrascos queimaram seu corpo e boca com chumbo derretido, e lançaram uma enorme pedra ao alto, que quebrou os ossos do confessor ao atingi-lo. Em seguida, penduraram-no de cabeça para baixo, ataram-no uma pedra pesada ao pescoço e acenderam uma grande fogo debaixo dele. O mártir suportou a essas e outras torturas em silêncio. Novamente lançado à prisão, São Jorge possuía cada vez mais uma aparência angelical, e naquela mesma noite foi novamente visitado pelo Senhor que, curando-o, disse:

“Sê paciente, ó Meu escolhido Jorge, tem bom ânimo e não te desanimes, pois estou contigo. Haverá grande alegria nos Céus por tua causa e por causa de tua vitória. Eis que já morreste uma vez e Eu te ressuscitei; ainda hás de morrer mais duas, e Eu te ressuscitarei. Mas, após a quarta, Eu mesmo virei sobre as nuvens e te levarei ao lugar seguro que preparei para ti. Sou Eu que dou força ao teu santo corpo, e Eu que te farei repousar com Abraão, Isaque e Jacó. Não entristeças teu coração, pois Eu estou contigo. Teu martírio será consumado diante desses setenta homens, e de Mim testificarás diante deles. Durante sete anos serás torturado por amor de Mim, mas anima-te, não entristeças teu coração.”

Saudando-o, o Senhor subiu aos Céus com os seus anjos, e o valente mártir por Cristo olhou para o céu até o amanhecer. Então, regozijou-se com o encorajamento que o Senhor havia lhe dado. Ainda de manhã, São Jorge foi novamente levado em julgamento. Maximiano (286–305), que reinava no Ocidente, estava com Diocleciano, e disse: “Ó Jorge, mostra-me um sinal. Se o fizerdes, juro por todos os deuses que crerei e adorarei somente o teu deus. Eis aqui setenta tronos, um para cada um de nós, todos feitos de diversos tipos de madeira, uns frutíferos, outros não. Se tua oração fizer que brotem frutos nas frutíferas e flores nas infrutíferas, crerei em teu deus.”

São Jorge atirou-se com o rosto ao chão, e orou silenciosamente a Deus por um longo tempo. Assim que concluiu sua oração com um “Amém”, um grande tremor sacudiu o chão, e o Espírito de Deus fez brotar frutos nas pernas dos tronos feitos de árvores frutíferas e flores nas dos feitos de árvores infrutíferas. Maximiano estupeficou-se: “Grande és, ó Hércules, que assim manifesta teu poder em madeira seca!” Jorge replicou corajosamente: “Comparas esse ídolo cego e mudo com o Deus que criou os Céus e a terra, que fez existir o que nunca existiu e que pode destruir tu e teu ídolo num mesmo instante?” E Diocleciano finalizou: “Ó galileu, pois eu sei como hei de te destruir.” São Jorge foi serrado ao meio, e assim morreu pela segunda vez.

Querendo não cometer seu “erro” novamente, Diocleciano ordenou que as duas partes do seu corpo fossem jogadas num caldeirão e fervidas com chumbo, piche e gordura até que as chamas atingissem sete metros de altura. Então, ordenou que seus carrascos fossem para longe enterrar o caldeirão com seu corpo carbonizado, para que o santo não pudesse voltar.

Depois de um tempo, um novo terremoto atingiu Nicomédia, e novamente o Senhor desceu com sua gloriosa carruagem de querubins até o lugar onde o caldeirão havia sido enterrado, acompanhado pelo Arcanjo Salatiel. Sob Suas ordens, Salatiel ergueu o caldeirão debaixo da terra e trouxe-o a superfície. O Todo-Poderoso disse: “Ó Jorge, Meu escolhido, levanta-te! Porque Eu ressuscitei Lázaro dentre os mortos, e agora ordeno-te que te levantes e saias do caldeirão. Eu sou o Senhor, teu Deus.” Saindo completamente são do caldeirão, adorou a Deus e foi saudado: “Sê forte e anima-te, Meu amado Jorge, pois haverá grande alegria para ti nos Céus e na terra, diante de Meu Bom Pai e diante dos Meus anjos por causa de tua vitória. Sê forte, porque Eu estou contigo.” E ascendeu novamente aos Céus com Sua carruagem. Dessa vez, algumas pessoas viram ao longe o milagre, e maravilharam-se com aquilo.

O valente mártir tornou a voltar para a cidade, e ainda mais testemunhas de seu segundo martírio viam-no e passavam a crer em Jesus Cristo. De repente, uma mulher de nome Escolástica gritou a São Jorge: “Ó meu senhor, meu filho estava a pôr o jugo em nosso boi quando esse caiu e morreu! Ó meu senhor, ajuda a minha pobreza, sei que tu podes ajudar-me através de Deus!” O tribuno deu-lhe o cajado que estava em suas mãos e pediu que ela recitasse essas palavras quando chegasse ao boi: “Assim diz Jorge em nome de Jesus Cristo: levanta-te!” A mulher fez como ele havia dito, e o sopro da vida adentrou o animal, que ergueu-se perante toda a multidão que a havia acompanhado. A mulher, o fazendeiro Glicério e toda a multidão glorificaram a Deus, dizendo: “Bem-aventurada a hora em que entraste nesta cidade! Tu és em verdade um profeta, e Deus visitou o Seu povo!”

São Jorge foi novamente preso, e depois de um tempo foi interrogado. O interrogador desafiou-o: “Há aqui perto alguns túmulos de centenas de anos. Juro por todos os meus deuses que crerei no teu deus e tornar-me-ei como ti se tuas orações fizerem esses ossos tornarem à vida.” De fato, nem mais ossos haviam lá dentro, mas somente o pó deles. Ao lado do sepulcro, o tribuno orou durante o espaço de uma hora. Assim que finalizou sua prece com um “Amém”, a terra tremeu, e alguns clarões começaram a aparecer de dentro do sepulcro (assim como durante a cerimônia do Fogo Santo no Santo Sepulcro).

Assim que notaram algo acontecendo dentro da tumba, as pessoas que lá estavam reabriram sua tampa, e eis que cinco homens, nove mulheres e três crianças saíram de lá, caindo aos pés do santo. Os que assistiam ao milagre perguntaram espantados a um dos homens quem ele era, e o ressuscitado, venerando São Jorge, os respondeu que havia vivido antes da vinda de Cristo, e sua ilusão que o levou a adorar os ídolos havia o feito queimar sem misericórdia nos rios do inferno por todos esses anos, até seu espírito ter sido reunido ao corpo através das orações de São Jorge.

O ressuscitado ainda disse: “O Juiz virá e dirá: ‘Mostrai-Me vossas obras e vos darei vosso salário.’ Ouvi-me todos! Todo homem que confessar Aquele a quem crucificaram, mesmo que parta do mundo em pecado e viva em grilhões até o Dia do Senhor, alcançará o repouso após esse dia, pois o Senhor não Se esquecerá dos castigados. Quando a mim, não terei descanso algum, pois não confessei Sua Divindade enquanto vivia na terra…”

Os dezessete encurvavam-se perante o mártir, implorando que eles os recebesse no Santo Batismo, para que não voltassem a cair no castigo em que estavam. Vendo sua fé, São Jorge feriu a terra com seu pé, e uma pequena poça d’água se formou. Após batizá-los em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, os dezessete afastaram-se para onde ninguém os pudesse ver, e foram arrebatados aos Céus. A maioria dos que viram esse milagre renunciaram o paganismo e aderiram a Cristo. Posteriormente, todos acabaram sendo martirizados pela Fé.

Diocleciano soube do ocorrido, mas foi amenizado pelos governantes, que diziam que Jorge usava de magia para fazer os demônios se levantarem e dizerem que haviam sido ressuscitados. O imperador, então, sem conhecer o Evangelho, quis “humilhar” os cristãos levando São Jorge a uma pobre viúva, cuja pobreza não se achava em nenhum outro lugar da cidade. Já sabendo o que havia de acontecer, disse: “Tenho fome. Dá-me pão.” A pobre viúva sequer possuía pão em sua casa, e ele perguntou: “Em que deus crês, que não tens pão em casa?” E ela: “Creio em Apolo e Héracles, os deuses que regem esse império!” E São Jorge finalizou: “De fato, é do justo Juízo de Deus que tu não tenhas pão em tua casa.”

Quando olhou para cima, a viúva viu seu rosto, e ele brilhava como um anjo. Ela maravilhou-se e disse consigo: “Se eu implorar por pão aos meus vizinhos, porventura encontre favor aos olhos deles, visto que esse homem de Deus entrou em minha casa!” Assim que a viúva partiu, um tronco de lenha criou raízes no chão e uma grande árvore cresceu ao lado da casa, e sua altura ultrapassava o telhado. O Arcanjo Miguel desceu dos Céus com um enorme banquete, que saciou o mártir e ainda encheu a mesa da viúva de pão. Quando ela retornou à casa e viu as grandes maravilhas que haviam acontecido, ela jogou-se aos pés do santo e exclamou: “O Deus dos cristãos se lembrou da pobreza dessa viúva e trouxe Seu mártir para ajudá-la, a miserável em espírito!” São Jorge, em sua humildade, fê-la ficar de pé, pois dizia-se apenas um servo de Deus, que sofre por causa de Seu santo Nome.

A viúva ansiava por mais uma coisa: “Mestre, se encontrei favor diante de ti, permite-me que eu me atreva a pedir por algo mais! Tenho aqui um menino, ele é cego, surdo, mudo e coxo… Ele causa é motivo de vergonha até para os meus vizinhos, e tem de se esconder no terceiro andar! Se curá-lo, crerei em teu Deus!” São Jorge pediu que a criança fosse trazida a ele, e deitou-a em seu peito. Inclinando a cabeça sobre a criança, o santo soprou, e imediatamente seus olhos puderam se abrir. E disse: “Ó mulher, isso agora é suficiente, mas quando vier o tempo de teu filho vir me servir, eu o chamarei e ele ouvirá, e ele virá até mim.” A viúva não tinha sequer palavras para respondê-lo, pois seu rosto brilhava cada vez mais como um anjo.

Quando o imperador soube do ocorrido e do número de testemunhas que haviam visto aquele milagre, levou o mártir para ser açoitado em praça pública. Os carrascos açoitaram-no até que ele não resistisse mais e caísse desfalecido no chão. Então, fizeram uma fogueira e jogaram-no sobre as lenhas. Para finalizar, conseguiram pendurar seu corpo acima das chamas, e foi assim que o grande mártir entregou sua alma pela terceira vez.

Seu corpo foi levado até o alto de uma montanha para que os pássaros viessem comê-lo. Quando já haviam ido embora, uma tempestade de trovões fez toda a montanha tremer, e do meio dos relâmpagos desceu o Senhor, curando-o e dizendo: “Ó excelente escolhido, levanta-te de onde estás.” São Jorge voltou à vida, e pôs-se a correr em direção dos quatro que haviam levado seu corpo ao monte, que já estavam há alguns quilômetros dali. Quando os encontrou, gritou: “Esperai por mim!” Quando reconheceram o mártir, caíram aos seus pés, glorificaram a Deus e imploraram pelo Santo Batismo. Mais uma vez, São Jorge realizou o batismo, e eles correram ao imperador, brandando que agora criam em Cristo. Um foi crucificado, dois foram decapitados e o outro foi lançado aos animais selvagens; assim receberam a coroa do martírio.

Dentre as centenas de presos à espera da morte, estava sua própria esposa, a Santa Imperatriz Alexandra de Roma (284–303), que estava presente nas torturas de São Jorge e confessou-se cristã ao seu ímpio esposo logo após ver o milagre. De fato, tal era sua cólera que Diocleciano foi o único dentre eles que não acreditou no milagre.

O imperador implorou para que seu mais precioso soldado adorasse os ídolos, e chegou prometê-lo o cargo de Maximiano caso o fizesse, mas o santo permaneceu firme em sua confissão. Diocleciano, então, ordenou que ele fosse jogado numa vala de cal ardente e coberto com ela, mas isso não adiantou de nada ao tirano, pois ainda mais pagãos foram testemunhas da perseverança de São Jorge, que aparentava não estar sofrendo dor alguma, e proclamaram Cristo como Deus. O imperador insistiu mais ainda, e ordenou que o confessor corresse calçado de botinas com pregos de ferro no interior, até que seus pés estivessem completamente furados com eles. Os soldados também corriam atrás de seu antigo líder, atacando-o sem piedade com tendões de boi.

Por fim, os leais a Diocleciano levaram-no a um templo pagão, onde vários ídolos estavam possuídos por demônios, a fim de testar a Fé do tribuno e obrigá-lo a oferecer sacrifícios. São Jorge dirigiu-se à estátua principal daquele templo, e pressionou-a a dizer se Cristo era Deus e digno de toda adoração. O demônio, dominado pela santidade do operador de milagres, não conseguiu mais se conter, e respondeu em alta voz que Jesus Cristo era o único Deus. Todos os ídolos do templo começaram a estremecer, e caíram ao chão em cacos. Com isso, ainda mais pagãos declamaram Cristo como Deus.

Entretanto, alguns pagãos foram tomados pela ira e o cercaram. São Jorge então foi novamente trazido perante Diocleciano que, ao saber o que havia acontecido, decretou a sentença de decapitação para o santo, juntamente com todas as centenas de neófitos que o testemunharam. Assim, em 23 de abril de 303, Jorge, o grande e vitorioso mártir por Cristo, entrou para a vida perpétua junto a seu Criador e Salvador, intercedendo incansavelmente a Deus pela segurança das nações ortodoxas e pela salvação de toda a humanidade, até o fim do mundo.

Pós-vida

Ícone de São Jorge escrito no século XI no Mosteiro de São Jorge em Novogárdia.

Pasícrates, um de seus fiéis servos, encarregou-se de levar as relíquias de São Jorge de Nicomédia a Lida. Lá elas ficaram enterradas até o triunfo da Ortodoxia no reino do santo Imperador Constantino, o Grande (306–337), quando a Igreja de São Jorge foi construída, também em Lida. A conclusão dessa igreja deu-se num 3 de novembro, e até hoje esse dia é comemorado pela transladação de suas relíquias. (ver panorâmica) Santa Nina da Geórgia era parenta de São Jorge, e trouxe sua veneração à Geórgia ainda no século IV. Por conta disso, a maior parte das igrejas georgianas são dedicadas ao santo, que também é considerado como o protetor da nação.

No tempo do Imperador Anastásio I de Roma (491–518), um santuário foi construído para abrigar suas relíquias em Zorava, no sul da Síria. Essa catedral existe até a atualidade, e é uma das mais antigas da Síria. (ver panorâmica)

Já no outro lado do império, São Gregório, Bispo de Turono (573–594), já relatava a presença das relíquias do santo na Gália e a operação de milagres nos enfermos que as veneravam. Atualmente, é possível que elas estejam espalhadas por toda a França, especialmente em Cenomano, onde elas ficavam nos tempos de São Gregório.

Em 614, durante o Cerco de Jerusalém, uma força divina impediu que os soldados sassânidas pudessem adentrar a Igreja de São Jorge, e o próprio cavalo do comandante recusou-se dar um passo adiante. O comandante entendeu que, como havia conseguido invadir toda a fortificada cidade de Lida menos uma igreja centenária, Deus o havia permitido aquela invasão. O persa fez uma promessa caso Deus o permitisse retornar da guerra vivo e, na vitória persa, ordenou que a igreja fosse ornamentada da melhor maneira possível.

Certa vez, Santo Adomnano, Abade de Iona (679–704), recebeu um peregrino que havia visitado a Terra Santa, e registrou sobre a existência da coluna milagrosa na qual São Jorge havia sido flagelado na igreja em Lida, pela qual operavam-se milagres. Outro manuscrito, escrito por um monge desconhecido de nome Epifânio no século VIII, atestou novamente a existência dessa coluna, que jorrava sangue durante três horas todo 23 de abril. Não somente a coluna, mas também a roda com lanças afiadas na base que feriu o santo também parece ter sido levada de Nicomédia a Lida, de acordo com o manuscrito.

Na era de São Zacarias, Papa de Roma (741–752), o mesmo misteriosamente encontrou o venerável crânio de São Jorge guardado a salvo numa urna (provavelmente no Oriente), com uma inscrição em grego sobre sua autenticidade. Tamanha foi sua felicidade, que o papa convocou toda a cidade de Roma numa procissão com hinos e cânticos até depositá-lo na milenar Igreja de São Jorge em Velabro, próxima ao Arco de Jano. Desde sua transladação à igreja, inúmeros milagres foram registrados por aqueles que veneravam o grande mártir. (ver panorâmica)

No Chipre, durante o período otomano que perdurou dos séculos XVI a XIX, as autoridades, por algum motivo, não barravam a construção de templos em honra a São Jorge. Por conta disso, mais de trezentas igrejas, mosteiros e capelas foram construídas em honra ao santo, além de nove vilas e duas ilhas. Muitos cipriotas são nomeados Jorge ao nascer, e o grande mártir está intrínseco à cultura nacional. Nesse lugar, São Jorge é considerado o padroeiro dos que sofrem de epilepsia e doenças na visão, das crianças que tardam a dar seus primeiros passos e das garotas que buscam por um companheiro.

Igreja de São Jorge em Quieve

Igreja de São Jorge em Quieve antes de sua destruição.

A veneração de São Jorge nas terras russas iniciou-se graças a São Jaroslau, o Sábio, Grão-Príncipe de Quieve (1019–1054), filho de São Vladimir. Em 1030, São Jaroslau, que tinha por onomástico São Jorge, concluiu a construção do Mosteiro de São Jorge em Novogárdia, atual Patrimônio da Humanidade. (ver vídeo) Em 1032, São Jaroslau consagrou a grande cidade que havia construído como Iurieve (cidade de Iuri, cujo nome é uma adaptação de Jorge). Depois da invasão lituana do século XIV, a cidade passou a ser conhecida como “Igreja Branca”, e na atualidade é uma das maiores cidades do entorno de Quieve. (ver colagem)

Duas décadas depois, em 26 de novembro de 1051, São Jaroslau consagrou a Igreja de São Jorge em Quieve, uma das maiores de todas as terras russas até então. O acontecimento foi tamanho que o santo Metropolita Hilarião de Quieve (1051–1055) adicionou esse dia ao calendário de festas da Igreja como o Dia de São Jorge no Outono, o qual é celebrado ainda hoje na Rússia (o dia 23 de abril é considerado como Dia de São Jorge na Primavera). Era nela em que se consagravam novos hierarcas para as terras russas, e também serviu de túmulo para a família real russa.

No século seguinte, o Grão-Príncipe Iuri I de Quieve (1149–1151, 1155–1157), que tinha por onomástico São Jorge, fundou a grande cidade de Moscou, além de igrejas dedicadas ao santo. Até hoje, a bandeira de Moscou representa São Jorge vencendo o mal, representado pelo dragão. (ver brasão) A cidade de Iurieve-Polsco, também construída pelo grão-príncipe, abrigou a Catedral de São Jorge em Vladimir, existente até hoje. (ver panorâmica) Diferente dela, a Igreja de São Jorge em Quieve não resistiu à invasão mongol na era do Metropolita José I (1237–1240) e foi destruída.

Em 1674, quando Quieve estava sob o jugo lituano, o Metropolita José V de Quieve (1663–1675) construiu uma pequena igreja de madeira sobre as ruínas, a qual foi reconstruída como um grande templo de pedra em estilo barroco pela Imperatriz Isabel da Rússia (1741–1762) em 1752, quando Quieve já fazia parte da Rússia. Antes de sua transferência para a Lavra das Cavernas, a igreja abrigou o túmulo do Príncipe Constantino da Valáquia (1802–1807), o qual lutou pela Independência da Grécia até ser derrotado pelos otomanos. Entre os reinados de Alexandre III (1881–1894) e São Nicolau II (1894–1917), algumas partes da igreja foram reformuladas no estilo neobizantino. Em 1934, a Igreja de São Jorge foi destruída pelos militantes ateístas.

Hinos

Tropário

(Cantado pela Catedral Ortodoxa Antioquina de São Paulo; em tom 4)

Tu que és o libertador dos cativos, /
auxílio e protetor dos necessitados, /
médico dos enfermos e defensor dos fiéis, /
ó grande mártir São Jorge, /
intercede a Cristo Deus pela salvação de nossas almas.

Condáquio

(Tradução livre)

Cultivado por Deus, tu te manifestaste como um digno lavrador, /
colhendo para ti mesmo os feixes da virtude. /
Pois semeaste com lágrimas mas colheste com alegria, /
tu competiste com o teu sangue, e da disputa recebeste o Cristo. /
Por tuas intercessões, ó Grande Mártir Jorge, /
a todos é concedida a remissão dos pecados.

Notas

Esse mesmo servo foi quem encarregou-se de registrar sua vida para que todas as gerações futuras pudessem contemplar a Glória de Deus realizada por intermédio de São Jorge. Nesse registro, o nome de Diocleciano está grafado como Dadiano, e algumas tradições ocidentais acabaram identificando-o como o mesmo Daciano responsável pelo martírio de São Vicente de Saragoça e outros. Isso, porém não seria possível, pois Daciano era prefeito da Gália, e não de alguma outra área no Oriente. Em algumas partes desse artigo, é possível encontrar a palavra “cultivador” referindo-se ao santo. Isso ocorre pelo fato desse ser o significado do nome Jorge.
No mesmo registro, há um Magnêncio que governava ao lado de Dadiano. É impossível que esse seja o Imperador Magnêncio de Roma (350–353), pois este usurpou do poder e governou sozinho, além de que a Igreja de São Jorge já havia sido construída décadas atrás, e Santa Nina já havia pregado na Geórgia. Logo, esse só pode ter sido o Imperador Maximiano, que governou juntamente com Diocleciano.

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