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Apresentação do Senhor

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A Festa da Apresentação de Nosso Senhor Jesus Cristo no Templo (em grego: Υπαπαντή του Κυρίου) é uma das Doze Grandes Festas, comemorada pela Igreja no dia 2 de fevereiro, quarenta dias após o nascimento de Cristo. A festa se estende do dia 1 ao 9 de fevereiro, e baseia-se em um importante evento da vida de nosso Senhor Jesus Cristo, relatado no segundo capítulo do Evangelho de São Lucas (versículos 22–40). Nesse acontecimento, pela primeira vez o sacerdócio levítico —representado pelo justo Simeão— foi sujeitado ao sacerdócio de Cristo, Ele a quem ainda recém-nascido abençoa o ancião no Templo.

História

Quarenta dias após Seu nascimento, Jesus foi levado ao Templo de Jerusalém, o então centro da vida religiosa em Israel. De acordo com a Lei Mosaica, a mulher que desse à luz um menino deveria ausentar-se do Templo de Deus por quarenta dias, até que fosse curada. Após esse tempo, a mãe viria com o filho para oferecer um cordeiro e um par de rolinhas ou pombas jovens ao Senhor como sacrifício de purificação e para consagrá-lo ao Senhor.

Segundo os Santos Cirilo de Alexandria e Gregório, o Palamas, o par de rolinhas, uma das mais loquazes entre os pardais, significava a sabedoria dos pais, honrosamente unidos e abençoados de acordo com a lei do matrimônio. Já as pombas jovens significavam a virgindade e prefiguraram a Encarnação de Cristo e a Mãe de Deus, ambos gentis e humildes como as pombas, e virgens. Cristo falaria como uma pomba até os confins do mundo, enchendo Sua vinha —aqueles que creem n’Ele— com sua doce voz.

A consagração de todo primogênito fora ordenada ao Profeta Moisés durante a fuga do povo de Israel do Egito, servindo para relembrar aquele povo da beneficência de Deus —a Quem toda a criação pertence—, divinamente presente na concepção e no nascimento; além de ao mesmo tempo prefigurar o nascimento de Cristo, o Primogênito.

A Mãe de Deus não tinha a necessidade de purificar-se, já que ela própria havia dado à luz a Fonte da pureza e da santidade, tendo a natureza humana de seu ventre sido deificada pela união da natureza divina e humana do Verbo, e em toda a terra não havia alguém mais pura do que ela; nem Jesus tinha necessidade de ser consagrado, uma vez que ele mesmo era o Senhor Pré-Eterno, o Verbo de Deus, Ele quem falara com os profetas e regeste o universo desde sempre pelo comando do Pai. No entanto, os dois humildemente cumpriram os requisitos da Lei.

A Panagia, acompanhada de São José, tomou o caminho em direção ao Templo, para apresentar o recém-nascido Jesus a São Zacarias, o Sumo-Sacerdote e esposo de Santa Isabel, pai do Precursor. Como a Mãe de Deus não tinha dinheiro para comprar um cordeiro devido à pobreza financeira de sua família, foi-lhe permitido trazer apenas o par de rolinhas como oferta. Quando chegaram lá, São Zacarias sabiamente levou a Mãe de Deus com Jesus ao local no templo reservado para as virgens, e pediu que ela aguardasse enquanto ele preparava o ofício.

O encontro com São Simeão

Naquele tempo, o justo Ancião Simeão vivia em Jerusalém, e a ele havia sido dada a revelação que ele não morreria até que pudesse ver o prometido Messias. Isso porque, três séculos antes, Simeão era um dos setenta membros do Sinédrio escolhidos pelo Faraó Ptolemeu II do Egito para traduzir o Antigo Testamento para o grego, produzindo o que viria a ser conhecido como a Septuaginta.

Enquanto traduzia o começo do Livro do Santo Profeta Isaías, Simeão se deparou com a profecia de que “uma virgem conceberá e dará à luz um filho.”[1] Imaginando ser a palavra “virgem” um equívoco, começou a escrever “mulher” em seu lugar. Antes mesmo que concluísse a palavra, uma mão segurou seu punho, e quando olhou para trás, eis que a mão era de um Anjo.

O Anjo exclamou: “Tu verás essas palavras serem cumpridas. Não morrerás até que contemple a Cristo, o Senhor, nascer de uma pura e imaculada virgem.” Desse dia em diante, Simeão viveu na espera pelo Messias, e após trezentos anos vivendo em retidão sem revelar sua idade, foi divinamente inspirado pelo Espírito Santo a visitar o Templo naquele mesmo dia em que a Panagia e São José traziam o infante Jesus para cumprir a Lei, graças à Divina Providência.

Quando viu a Mãe de Deus e a divina Criança, Simeão correu até eles e tomou a Cristo em seus braços, e, dando graças a Deus, disse as palavras repetidas pela Igreja todas as tardes, nas Vésperas:

“Agora, Senhor, despedes em paz o Teu servo, segundo a Tua palavra; pois já os meus olhos viram a Tua salvação, a qual Tu preparaste perante a face de todos os povos; luz para iluminar as nações, e para glória de Teu povo Israel.”[2]

A virgem e José maravilharam-se com suas palavras, mas, voltando-se à Mãe de Deus, Simeão a abençoou e disse a maior das profecias: “Eis que este Menino está destinado a ser uma causa de queda e de ascensão para muitos homens em Israel, e a ser um sinal que provocará contradições —uma espada trespas­sa­rá a tua alma—, a fim de serem revelados os pensamentos de muitos corações.”[3]

No Templo estava a viúva Ana, a Profetisa, filha de Fanuel, que, aos seus 84 anos, não se apartava do templo, servindo a Deus noite e dia em jejuns e orações. Enquanto Cristo era bendito por Simeão, Santa Ana se aproximou e começou a dar graças a Deus. Ela chamou a todos os que estavam dentro e fora do templo, mostrando-os Aquele por quem viria a redenção de Jerusalém. Nos ícones da Festa, a santa geralmente aparece segurando um pergaminho, escrito: “Essa Criança fundou os Céus e a terra”.

Paradoxalmente, da mesma forma que aconteceria com São João, o Batista, no dia da Teofania, não era Simeão quem abençoava a Cristo, mas sim o apresentado que abençoava o sacerdote: Jesus, o Sacerdote e Deus Encarnado, apresentava-Se ao ancião na condição de uma criança indefesa. Estranha maravilha!

Antes da Natividade do Senhor, os justos viviam pela fé no prometido Messias, e aguardavam pela Sua vinda. O Justo Simeão e a Profetisa Ana, os últimos justos do Antigo Testamento, foram julgados dignos de conhecer o Salvador no Templo. Naquele mesmo dia, Simeão renderia sua alma ao Senhor com um sorriso no rosto, partindo em direção ao Reino dos Céus.

Os fariseus que estavam no templo, vendo aquilo acontecer, indignaram-se com São Zacarias; não somente porque ela a quem deu à luz o Salvador era colocada no lugar reservado para as virgens, mas também porque a profecia de São Simeão era para eles uma blasfêmia. Cansados de dialogar com o sumo-sacerdote, os fariseus retiraram-se do templo e, em segredo, decidiram ir até o Rei Herodes e, em troca de dinheiro, revelar que o Filho de Maria era aquele rei a quem os magos do oriente haviam predito.

Tradição

Enquanto escrevia aos hebreus no séc. I, o santo Apóstolo Paulo mencionou o paradoxo de Cristo e Simeão enquanto discursava sobre a ordem sacerdotal de Melquisedeque, à semelhança de quem Cristo Se manifestou como feito não segundo a lei do mandamento carnal, mas segundo a virtude da vida incorruptível: “Sem contradição alguma, o menor é abençoado pelo Maior. Se a perfeição fosse pelo sacerdócio levítico (porque sob ele o povo recebeu a lei), que necessidade havia logo de que outro Sacerdote se levantasse?”[4]

A Festa da Apresentação do Senhor é uma das mais antigas da Igreja, tendo originado em Jerusalém. Sermões dessa festa já foram proclamados pelos santos bispos Methódios de Patara, Cirilo de Jerusalém, Gregório o Teólogo, Anfilóquio de Icônio, Athanásio de Alexandria, Gregório de Nissa e João Crisóstomo (com dúbia exceção de Crisóstomo, todos no século IV).

Santo Athanásio no séc. IV e São Nicodemos do Monte Athos no séc. XIX ressaltaram o caráter de humildade da Mãe de Deus e de Seu Filho, os quais não eram requeridos ao rigor da Lei de fazerem isso, pois o mandamento dado ao Profeta Moisés era “Santificai a Mim todo primogênito que abre o ventre,”[5] e Cristo abriu o ventre de Sua mãe sem destruir sua virgindade, fechando-o logo em seguida, como o era antes de Seu nascimento. São Gregório, o Palamas, explica que o termo “primogênito” refere-se aos dois nascimentos paradoxais de Cristo: o primeiro sendo o Seu nascimento pré-eterno de um Pai virgem, sem uma mãe; e o segundo sendo Seu nascimento segundo a carne de uma mãe virgem, sem um pai. Além disso, um terceiro significado é atribuído ao termo na Sua Ressurreição, quando Cristo torna-Se o primogênito dos que morreram, ressuscitando-os Consigo.[6]

De acordo com São Gregório de Nissa, Cristo tornou-Se primogênito nas três formas para vivificar nossa natureza humana. Assim como ela pode ser vivificada três vezes (no nascimento, no batismo e no falecimento; explicitamente nessa ordem), Cristo tornou-Se o primogênito para vivificá-la e deificá-la através da theosis, pois o nascimento do corpo precisa ser seguido pelo nascimento espiritual. São João de Damasco, no séc. VIII, explica que embora Cristo, como uma criança indefesa, fosse Deus, Ele expressou sua sabedoria de acordo com Sua idade, pois de outra forma os homens O tratariam como um louco. Através de Sua infância, Cristo curou a mente infantil de Adão, pois quando formou-o no Paraíso, Adão era infantil quanto à graça e santificação, sendo facilmente enganado pelo demônio, o qual abriu sua mente ao pecado e ao mal. Portanto, Cristo, tendo a idade corporal de uma criança, curou não somente a mente infantil de Adão como sua natureza humana, realizando aquilo a que Adão falhara. Pela Encarnação de Seu Filho, o Pai concedeu a theosis aos homens, e em Cristo o demônio não pôde mais enganar a natureza humana, como facilmente fizera com Adão.

A essa submissão ou humildade de Cristo em relação à Lei é atribuído o termo kénosis, o qual ultrapassou a compreensão dos Anjos, pois eles também estupefaram-se com a imensa e inexprimível condescendência do Criador. São Gregório, o Teólogo, fala sobre o nascimento de Cristo em meio à pobreza que a Virgem Maria piedosamente vivia. Segundo ele, sendo Cristo o próprio Deus, criador de todas as riquezas do mundo, ele desejou tornar-Se pobre em Seu nascimento segundo a carne para que todos nós pudéssemos tornar-nos ricos com Sua Divindade.

A profecia de São Simeão

Após Cristo e a Mãe de Deus, o justo Simeão é a figura mais central do episódio da Apresentação. Ele honrou o nome dado a ele, que nas línguas semitas significa “Ele a quem Deus escutou”, quando tomou seu Senhor em seus braços e confessou a Cristo como o Salvador em suas últimas palavras. Ele viveu trezentos anos sustentado pelo Espírito Santo, o Qual nutriu-lhe seu nous para que reconhecesse seu Deus naquela Criancinha.

A aquisição do Espírito Santo, ensinada por São Serafim de Sarov como o verdadeiro objetivo da vida cristã, encontra em São Simeão um de seus maiores exemplos. Ele é o arquétipo perfeito do homem que adquiriu o Espírito Santo para si, sendo por Ele inspirado divinamente em todas as suas ações. São Simeão foi contado entre os inúmeros outros santos que conseguiram o dom da taumaturgia e da clarividência através da aquisição do Espírito Santo pela comunhão imaculada com o Criador.

A beleza indescritível das últimas palavras de São Simeão não somente são repetidas durante o Ofício das Vésperas como durante a ação de graças após a comunhão, quando o sacerdote, após comungar o restante do cálice durante a leitura das cinco orações de ação de graças, repete as palavras em voz alta, como um novo Simeão que recebeu em seus braços o Corpo e o Sangue de seu Senhor.

Em seguida, o ancião profetiza que Cristo “está destinado a ser uma causa de queda e de ascensão para muitos homens em Israel.” Essa profecia não somente se realizou durante a vida terrena de Cristo como também diariamente na vida de todos os homens. Através de sua atitude em relação ao Senhor, o homem pode elevar-se espiritualmente ou provocar sua própria condenação, como posteriormente o demonstrariam os dois ladrões no Gólgota.

Quando São Simeão diz: “e a ser um sinal que provocará contradições,” São Cirilo de Alexandria diz que o “sinal” pode ser entendido de várias formas. A Encarnação de Cristo, ou mais precisamente, o Verbo de Deus tornar-Se homem, é um sinal. Na Encarnação, inúmeras coisas paradoxais e incompreensíveis aconteceram: Deus tornou-Se homem, e uma virgem tornou-se mãe. Esse sinal foi e é contradito (e duvidado) por muitas pessoas — algumas têm para si que Seu corpo e Seus feitos foram somente uma alegoria, ilusória. São Nicodemos do Monte Athos diz que quando o herege vê as obras de Cristo (como milagres) e em seguida vê o homem sofrendo, perecendo de fome ou sendo humilhado, pensa que Cristo tem um “lado” humano e um “lado” divino. Porém, o cristão não guarda essas dúvidas em seu coração, pois sabe que as duas naturezas de Cristo agem em comunhão uma com a outra por ser Uno em hipóstase.

Outro “sinal” duvidado inclusive por seitas modernas que dizem-se cristãs é a Santa Cruz, e já no séc. V São Cirilo de Alexandria fala sobre isso. O cristão aceita a Cruz, pela qual Cristo conquistou os principados das trevas, como sua salvação; já o herege a nega, recusando-se a aceitar que Cristo tenha sido crucificado. O Santo Apóstolo Paulo refere-Se à Santa Cruz como “escândalo para os judeus e loucura para os gregos.”[7]

O ancião finaliza com as seguintes palavras: “Uma espada trespas­sa­rá a tua alma, a fim de serem revelados os pensamentos de muitos corações.” Essa profecia se refere ao doloroso sofrimento da Mãe de Deus quando estava perante a Cruz contemplando seu Filho crucificado, Ele que ao mesmo tempo era o próprio Filho de Deus. Embora a Panagia não tivesse sentido dor durante o nascimento de Cristo por ter concebido-O sem semente e ter dado à luz sem mácula, uma dor imensamente maior tomou conta dela quando viu-O na Cruz. Essa é a espada que trespassaria a alma da Mãe de Deus, a qual revelou os pensamentos que muitos homens escondiam em seus corações.

O sofrimento da Mãe de Deus foi prefigurado nos tempos do Rei Salomão, novecentos anos antes. Em Jerusalém, duas meretrizes se apresentaram perante o rei. A primeira disse que ambas viviam sozinhas na mesma casa e haviam dado à luz na mesma semana, mas o filho da segunda havia morrido porque ela deitara em cima dele enquanto dormia. Então, de acordo com a primeira, a segunda teria pego o filho morto e trocado com o dela enquanto dormia. Quando despertou, viu que aquele filho morto não era dela, mas sim da outra mulher. A segunda desmentiu a versão da primeira, dizendo que não havia trocado os filhos, e o vivo era seu filho. Diante disso, o sábio Salomão pediu aos seus guardas por uma espada, dizendo: “Parti a criança ao meio; dai metade a essa mulher e metade a outra.” Assim que ouviu isso, uma das mulheres caiu de joelhos perante o rei, rogando: “Por favor, senhor, entrega o filho a ela, não o mates!” Já a outra disse: “Nem teu nem meu seja; parti-o ao meio.” Através disso, Salomão soube quem era a verdadeira mãe, e entregou a criança a ela.[8] Da mesma forma, o sofrimento indescritível da Panagia diante do Gólgota mostrou a todos que ela era verdadeiramente a Mãe de Deus, ela cuja carne havia sido tomada pelo Filho para que encarnasse.

Santo Athanásio de Alexandria, esmiuçando o trecho “A fim de serem revelados os pensamentos de muitos corações” da profecia, explica que a Santa Cruz de Cristo e Sua Paixão revelariam as inclinações do íntimo dos homens: Pedro Lhe negaria, os discípulos fugiriam, Pilatos se arrependeria de sua decisão ao lavar as mãos, sua esposa creria em Cristo após um sonho, o centurião Lhe reconheceria como Deus através dos seus sinais, José de Arimateia e Nicodemos se ocupariam com o sepultamento, Judas se suicidaria, os judeus subornariam os guardas para sumirem com Seu corpo.

Da mesma forma até hoje alguns são salvos, permanecendo na Igreja, e outros são condenados, rejeitando seu poder salvífico. Através do Santo Batismo a Graça de Deus é depositada no coração do homem, mas os pecados acumulados vão encobrindo essa Graça, levando o homem à queda. Após o arrependimento e a luta espiritual, a Graça é mais uma vez revelada no coração, e o homem é erguido novamente em direção à salvação.[nota 1]

A primeira tentativa de equiparar essa comemoração às outras grandes festas da Igreja parece ter acontecido em Roma na transição do séc. V para o VI. Naquele tempo, embora proibida, a festa pagã da Lupercália ainda era comemorada em segredo pelos pagãos da cidade de Roma, e qualquer iniciativa de suprimi-la era frustrada pelo Senado, cuja boa parte dos membros era cristã só em nome. Aliás, o mês de fevereiro possui esse nome em alusão à festa pagã (do latim februum – aquilo ofertado para purificação), que ocorria todo 15 de fevereiro. Diante disso, o Patriarca Gelásio de Roma (492–496) reuniu seus mais habilidosos melodistas para expandirem a Festa da Apresentação e assim destruírem a festividade pagã.

A praga de Justiniano

A festa não seria celebrada tão esplendidamente até o século VI, quando inúmeros hinos foram compostos em sua honra. Em 528, durante o reinado de Justiniano, um terremoto matou várias pessoas em Antioquia, seguido de outras desgraças. Em 541, uma terrível praga aconteceu em Constantinopla, conhecida até hoje como “praga de Justiniano”, levando vários milhares de pessoas a cada dia.

Diante dessa desolação, os mosteiros e as paróquias da capital compilaram e passaram a realizar uma litania pela libertação dos males antes de toda Divina Liturgia. De lá, São Menas, Patriarca de Constantinopla (536–552), enviou o texto para todas as suas dioceses filhas, ordenando a realização da litania.[nota 2]

Em 2 de fevereiro de 542, após o fim da Divina Liturgia da Festa da Apresentação, a praga milagrosamente cessou, e nos dias seguintes nenhuma pessoa sequer caiu enferma. Como agradecimento a Deus, a Igreja definiu que essa litania deverá ser feita para sempre antes de toda Divina Liturgia do dia 2 de fevereiro. Não somente isso, a litania foi acrescentada entre a leitura do Evangelho e o Hino Querúbico para ser feita em todos os dias do ano. Algumas paróquias seguem essa prática até hoje, realizando a litania nesses termos:

Tem piedade de nós, ó Deus, segundo a Tua grande misericórdia. Nós Te imploramos, ouve-nos e tem piedade de nós.
Roguemos ainda pelos piedosos cristãos ortodoxos.
Roguemos ainda pelo nosso [Bispo/Arcebispo/Metropolita/Patriarca] …
Roguemos ainda pelos nossos irmãos; sacerdotes, hieromonges, hierodiáconos e monges; e por todas as nossas irmandades em Cristo.
Roguemos ainda por misericórdia, vida, paz, saúde, salvação, proteção, perdão e remissão dos pecados dos piedosos servos de Deus …, todos os piedosos cristãos ortodoxos, que residem e visitam essa cidade; os paroquianos, os membros do conselho [paroquial/episcopal], os servidores e benfeitores dessa santa igreja.
Roguemos ainda pelos abençoados e memoráveis fundadores dessa santa igreja, e por todos os nossos pais e irmãos que faleceram antes de nós, que foram aqui piedosamente sepultados, bem como os ortodoxos em todos os lugares.
Roguemos ainda por aqueles que dão frutos e fazem boas obras a essa santa e venerável igreja, por aqueles que trabalham e cantam, e pelas pessoas aqui presentes que esperam de Ti a Tua grande e rica misericórdia.

Entre cada súplica, o povo e o coral repetem “Kyrie eleison” três vezes.

A comemoração da festa

Ainda em meados do século V, a santa Imperatriz Pulquéria dera início à construção da Igreja da Mãe de Deus de Blaquerna ao norte de Constantinopla. Nos anos seguintes, a igreja foi ricamente ornamentada pelas famílias reais, passando a ter a principal fonte de água benta do império, o relicário do manto e do cinto usados pela Mãe de Deus e um banho de água benta para os imperadores. Era nessa igreja em que o patriarca e todo o clero de Constantinopla se reuniam para oficiar a Festa da Apresentação, com horas e horas de hinografias dedicadas à festa.

 
Exemplo do ambigrama no Mosteiro da Mãe de Deus de Malevos, no Peloponeso.

Da mesma forma que Cristo havia sido apresentado no Tempo para Sua purificação, os imperadores justos banhavam-se com água benta no dia da festa para igualmente se purificarem. As paredes da câmara de banho eram preenchidas com ícones do teto ao chão, e foram o refúgio de Santa Theodora durante o iconoclasmo. Essa tradição podia se repetir em outras festas do ano a critério do imperador, como na Festa da Dormição. Para os fiéis, havia a fonte de água benta, na qual lavavam seus rostos. Como costume nas fontes de água benta, havia a inscrição Νίψον ἀνομήματα, μὴ μόναν ὄψιν (lava-te as transgressões, não somente o rosto), igualmente um palíndromo e ambigrama.

Os cristãos ortodoxos que comemoram essa festa nutrem em seu nous uma poderosa confissão de Fé, muitas vezes passada despercebida: confessando que Cristo revelou-Se ao mundo não em mera opinião ou símbolo, mas sim em verdade, condenamos os falsos mestres de outrora, os quais afirmavam que Cristo não possuía natureza humana, mas somente divina.

Tanto acerca da apresentação como da circuncisão e do batismo, Cristo e Sua Mãe não necessitavam cumprir nenhum desses preceitos, mas em sua humildade fizeram tudo o que era exigido pela Lei. Os dois não careciam de purificação, mas como Novo Adão e Nova Eva, o fizeram como um ato de obediência. Essa obediência era própria do Novo Adão, em contraste à desobediência do antigo Adão. Se a desobediência resultara na queda e na corrupção, a obediência de Cristo trouxe a natureza humana —desobediente em sua essência— de volta a Deus, curando o homem de sua participação da desobediência.

Através dessas festas, lembramo-nos de cumprir os rituais da Igreja em sua pureza, seguindo os dois maiores exemplos de pureza. Da mesma forma que Cristo foi apresentado, também nós devemos apresentar-nos em consagração a Deus, a Quem também devemos trazer nossas almas e corpos como um sacrifício vivo, puro e imaculado.

A ênfase dada ao justo ancião e à Profetisa Ana pela Igreja não é mera coincidência: recordando sobre eles, os hinos da Igreja buscam inspirar o cristão a ter Cristo como sua consolação e salvação, confiando n’Aquele que concede a vida e o descanso, como o fez a São Simeão. Já o exemplo de Santa Ana está em sempre que possível estar presente nos ofícios da Igreja, bem como render graças a Ele através da oração e do jejum.

Hinógrafos da Igreja adornaram essa Festa com seus hinos: Santo André de Creta no século VII; São Cosme de Maiuma, São João Damasceno e São Germano de Constantinopla no século VIII; e São José, Arcebispo de Tessalônica, no século IX.

Nesse dia, também comemoramos o ícone da Santíssima Mãe de Deus, conhecido como “Suavização dos Corações Maus” ou “Profecia de Simeão”. A Virgem Maria é representada sem a Criança, com sete espadas atravessando seu peito: três à esquerda, três à direita, e um de baixo. Um ícone semelhante, “das Sete Espadas”, mostra três espadas à esquerda e quatro à direita. Esses ícones simbolizam o cumprimento da profecia do justo Ancião Simeão: “uma espada transpas­sa­rá a tua alma”.

A apresentação de crianças na Igreja

Seguindo o exemplo de Cristo e Sua Mãe, toda mãe cristã ortodoxa apresenta à Igreja seus filhos acompanhada do padrinho deles no quadragésimo dia do nascimento, independentes de serem menino ou menina, primogênito ou não. Em primeiro lugar, a mãe é abençoada após os quarenta dias de seu período de recuperação. Assim como a Igreja intercede por todas as enfermidades do corpo ou da alma, ela também o faz pela mãe que deu à luz e naturalmente sente-se cansada e enfraquecida, bem como pela sua purificação, uma vez que nascemos após a queda do homem. Estando mãe, filho e padrinho diante das Portas Reais do altar, o sacerdote e o leitor iniciam as orações, começando pelo trisagion.

Então, a mãe inclina sua cabeça e o sacerdote coloca a mão sobre ela, dizendo:

Ó Senhor Deus Onipotente, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, por cujo verbo formaste todas as criaturas racionais e irracionais, por Quem trouxeste todas as coisas do nada à existência, nós Te rogamos e suplicamos: purifica a Tua serva …, a quem Tu salvaste pela Tua vontade e que agora vem à Tua santa igreja, de todo pecado e de toda impureza, para que seja digna de participar dos Teus Santos Mistérios sem condenação.

A bênção inicial do ofício é propositalmente dirigida à mãe, e não ao filho, de maneira a demonstrar a importância dada pela Igreja à maternidade. Concluída a oração, é realizada a ação de graças pelo nascimento da criança. Tanto a concepção como o nascimento não são obra somente da natureza, mas sim também da energia de Deus, e por esse motivo os cristãos ortodoxos oferecem seus filhos ao Criador, Ele a Quem as crianças pertencem. A Igreja também intercede pela saúde da criança até que receba o Santo Batismo e, com ele, o Espírito Santo de Deus.[nota 3]

O sacerdote coloca sua mão sobre a cabeça da criança e diz:

Abençoa também essa criança que dela nasceu, concede-lhe o crescimento e a santificação, entendimento e uma mente virtuosa; porque Tu sozinho a trouxeste à existência e mostraste a luz ao seu corpo, para que ela seja digna de receber a luz noética no tempo propício e enumerar-se ao Teu santo rebanho, pelo Teu Filho Unigênito, com o Qual és Bendito, juntamente com o Teu Santíssimo, Bom e Vivificante Espírito. Agora, sempre e pelos séculos dos séculos. Amém.

Então, todos os presentes inclinam suas cabeças em direção ao altar, e o sacerdote consagra a criança à Santíssima Trindade, nesses termos:

Ao Pai: Ó Senhor nosso Deus, Tu que sempre estás presente pela salvação do gênero humano, vem também à Tua serva … e faze-a digna, pelas orações do Teu venerável presbitério, de encontrar refúgio em Tua Igreja, Santa e Católica, e de receber a entrada no templo da Tua glória. Faze-a digna também de comungar o Precioso Corpo e Sangue do Teu Cristo. Tendo completado o cumprimento dos quarenta dias, lava-a das impurezas do corpo e das máculas do espírito, para que sendo digna de entrar no Teu santo templo, glorifique conosco o Teu santíssimo Nome, Pai, Filho e Espírito Santo. Agora, sempre e pelos séculos dos séculos. Amém.
Ao Filho: Ó Senhor nosso Deus, Tu que foste trazido no quadragésimo dia como criança ao Templo da Lei por Maria, Tua Santa Mãe inesposada, carregado nos braços do justo Simeão, Tu mesmo, Senhor Onipotente, abençoa essa criança que é apresentada, para que seja conhecida por Ti, ó Criador de todas as coisas. Engrandece-a nas boas obras, agradáveis a Ti; espanta dela todos os poderes adversários, pelo sinal em semelhança à Tua Cruz, pois Tu és Quem guarda as crianças, ó Senhor. Para que, digna do Santo Batismo, ela obtenha a porção dos eleitos do Teu Reino, sendo guardada conosco pela graça da Santíssima Trindade Consubstancial e Indivisível. Porque a Ti rendemos glória, honra e adoração, com o Pai Eterno e o Santíssimo, Bom e Vivificante Espírito. Agora, sempre e pelos séculos dos séculos. Amém.
Ao Espírito Santo: Ó Deus, Pai Onipotente, Tu que pela alta voz do Profeta Isaías prenunciaste a nós a encarnação do Teu Filho Unigênito e Deus nosso por uma virgem; Tu que nos últimos dias, pela Tua benevolência e imensurável compaixão, aceitaste dela tornar-Se criança pela assistência do Espírito Santo para a salvação dos mortais, e que, segundo o costume da Tua Santa Lei, ao cumprimento dos dias de purificação, sujeitaste ser trazido ao Santuário, sendo Tu o próprio Legislador da Verdade, e aceitaste ser carregado nos braços do justo Simeão, mistério esse precisamente declarado por aquele profeta com o protótipo de tomar os carvões com a pinça, o qual nós, fiéis, temos também como modelo na graça; Tu mesmo, Senhor, que guardas as crianças, abençoa essa criança, juntamente com os seus pais e padrinho, e faze-a digna, no tempo propício, de renascer da água e do Espírito, sendo contada no Teu santo rebanho de ovelhas racionais, as quais são chamadas pelo Nome do Teu Cristo. Porque Tu és Aquele que habita nas Alturas e olha para as coisas abaixo, e a Ti rendemos glória, Pai, Filho e Espírito Santo. Agora, sempre e pelos séculos dos séculos. Amém.

Tomando a criança em seus braços como o Profeta Simeão, o sacerdote levanta-a como o sinal da Cruz diante das portas e relembra as palavras do Profeta Davi, dizendo: “Entrarei na Tua casa, ó Senhor, e adorarei perante o Teu santo templo.”[9] Se a criança for um menino, o sacerdote entrará com ela no altar pela porta sul e a apresentará, retornando pela porta norte; mas caso for uma menina, ele a apresenta diante das Portas Reais. Então, leva a criança ao centro da igreja, dizendo: “Te louvarei no meio da igreja.”[10] Nessas três vezes, o sacerdote diz: “O servo de Deus … é apresentado, em Nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém.”

Antes de devolver a criança à mãe, o sacerdote repete as palavras do justo ancião (“Agora, Senhor, despedes em paz…”) com a criança em seus braços, diz a oração de despedida e faz o sinal da Cruz na testa, na boca e no peito da criança, invocando o Nome da Santíssima Trindade.

O papel do ofício da apresentação

Esse ofício, além de todos os seus aspectos dogmáticos, também chama a atenção por ser o primeiro em que o padrinho da criança será abençoado e chamado por esse nome, ressaltando que o padrinho já deve ter sido escolhido nos primeiros dias de vida da criança (senão antes) para interceder por ela e prover a família com tudo o que for necessário, e não o ser somente após o Santo Batismo.

A apresentação da criança relembra que seu nascimento é uma bênção de Deus, mas a maneira na qual o gênero humano dá à luz é um fruto da queda, na qual o homem desligou-se da Graça de Deus e tornou-se impuro. Esse aspecto é constantemente trazido à mente pela leitura diária do Salmo 50: “Eis que em iniquidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe.” Portanto, o rito de purificação contido nas orações que o sacerdote faz durante o Ofício de Apresentação deve ser interpretado dessa maneira.

Pelo motivo da criança ser apresentada ao Deus Pai, assim como outrora o fora o Cristo, quem toma parte no ofício ao lado da mãe é o padrinho, e não o pai da criança. Conforme a exortação de São Gregório de Nissa, o padrinho deve tomar São José como modelo, e, em vez de oferecer em sacrifício um par de rolinhas, ofertar a pureza de seu corpo e alma; e em troca do par de pombos jovens, oferecer incessantemente suas orações.

Dessa maneira, assim como Cristo realizou tudo o que era prescrito pela Lei e retornou à sua pátria segundo a carne, crescendo em sabedoria, da mesma forma as crianças apresentadas retornam à sua verdadeira pátria —a Jerusalém Celestial— se viverem instruídas de acordo com a Lei Divina, pela qual crescerão em sabedoria e alegria, até alcançarem a estatura da perfeição do homem interior, tornando-se moradas do Espírito Santo.

Por fim, os outros presentes no ofício não são meros espectadores. Tal como disse Santo Athanásio, o Grande, seu papel está em se assemelharem ao Justo Simeão e a Profetisa Ana, recebendo a Cristo com sabedoria, pureza, inocência, perdão e amor para com Deus e Sua criação. Nenhuma outra pessoa pode receber a Cristo de outra maneira.

O ofício da apresentação, continuado ininterruptamente pela Santa Igreja desde o Pentecostes, mostra que Cristo é a vida e a luz dos homens, Ele por Quem todos devem lutar para adquirir a vida verdadeira. Como dizem os hinos da Igreja, “Ilumina minha alma e a luz dos meus sentidos, para que possa ver-Te em pureza; e proclamarei que Tu és o meu Deus.” Para que possamos proclamar a Deus, precisamos primeiro poder vê-Lo com clareza, e para ver a Deus, é necessário que antes sejamos iluminados, resplandecentes em alma e nos sentidos do corpo. Dessa forma, a Festa da Apresentação também é a primeira festa de todos os cristãos nascidos na Igreja.

Hinos

Tropário

(Tom III)

Alegra-te, ó Virgem Mãe de Deus, cheia de graça! Pois de ti resplandeceu o Sol da Justiça, Cristo nosso Deus, iluminando os que estão nas trevas. Alegra-te, ó justo ancião, carregando em teus braços o libertador de nossas almas, Ele que nos concede a ressurreição.

Kontakion

(Tom I)

Por teu nascimento, ó Cristo Deus, o seio virginal santificaste, e as mãos do justo Simeão, como convinha, abençoaste, e a nós, agora, vieste e salvaste. Concede a paz ao Teu povo e fortalece os governantes fiéis, Tu que és o Único Misericordioso.

Versos

As mãos de Simeão que Te carregam,
simbolizam o seio do Pai, ó Cristo meu.
No segundo dia, Simeão recebeu a Cristo nas portas do Templo.

Referências

  1. Isaías 7
  2. Lucas 2:29–32
  3. Lucas 2
  4. Hebreus 7
  5. Êxodo 13
  6. Colossenses 1
  7. I Coríntios 1
  8. III Reis 3
  9. Salmo 5
  10. Salmo 21

Notas

  1. O Batismo só pode ser ministrado uma única vez. Por isso, mesmo que o homem apostate, a Graça não é removida dele, mas sim torna-se tão encoberta pelos pecados que deixa de ser perceptível. Somente através do arrependimento e do retorno à Verdadeira Igreja através do Crisma que a Graça do Batismo será purificada de toda mácula no coração da pessoa.
  2. Essa prática repetiu-se durante a pandemia de coronavírus nos anos de 2020 a 2022.
  3. Embora seja raro, é possível que uma criança tenha recebido o Santo Batismo antes dos quarenta dias de vida, em caso de emergência ou necessidade extrema. Nesse caso, os trechos em itálico são omitidos.